A Galeria do ©RIO ARTE CULTURA.com® recomenda:
Lina Kim, Eliane Duarte e *Marcia X* na Zona Instável das Cavalariças
[{(:)}]

3 mulheres e um complôt

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Comer e defecar sem sair do lugar!

: há um espaço genuinamente artístico no Rio de Janeiro e sintomaticamente ele não se encontra nas áreas institucionalizadas nem nas privadas privatizadas. Ele se situa no Jardim Botânico e se chama Atelier Suiço; mas não, o que estou dizendo, é o Parque Lage - não a escola, aquela construção monstrenga no todo e preciosa nas partes, mas sim o que tem o nome de Cavalariças, por ter sido isso mesmo. Certamente alguns de seus habitantes morreram ali mesmo, o que lhe confere esse caráter adicional de necrocemitério. E é também significativo que seja exatamente a ex_residência dos álogos, a mais uma vez carinhosa e calorosamente nos acolher e animar. Descobriram-na numa operação "arqueológica", desinfetaram e higienizaram-na, tornando-a asséptica. Parcialmente, porém, porque o banheiro e a cozinha, que improvisaram para os racionais, ocupam o mesmo terreiro infecto e fétido, o teto despencando, o mofo nas paredes pintando magistralmente motivos rupestres em azul_turqueza e verde_esmeralda_esperança. Uma zona. E agora fica claro por que "instável".

Há muitos estudantes e artistas lá fora, mas nenhuma algazarra destoante. O múltiplo carinho rola solto e o que reina é o clima de com_penetrada con_fraternização e con_celebração da pertenecência a esse instável mundo paralelo. Abraços e beijos afetuosos, sorrisos recíprocos, olhares cúmplices, olhos mareados. Parece conclusão escolar. Nunca mais nos veremos? Me dá seu telefone! Vamos ficar em contato. Ao mesmo tempo, porém, tem-se a estranha e justa sensação de a despedida estar ocorrendo no cemitério, tal a contenção, a pouca luminosidade, o ar. Por instantes, sou tomado pela sensação de que estão me escondendo algo intrigante, nuclear. E estão!

A medição dos membros!

:disse eu acima "uma vez mais" porque, há algum tempo, 3 homens numa conspiração "site specific" haviam re_inaugurado a já inaugurada (por outros 3) instabilidade da zona - Ricardo Ventura ao modo de mamuchka fizera surgir de dentro do hall de entrada dos cavalos um castelo hermético em cujo prostíbulo só se podia penetrar rebaixado. No estábulo canhoto, Afonso Tostes e seu lava-a-jato retiraram o excesso de estrume. E no estábulo da ponta Paulo Climachauska apresentara a conta nas palmeiras e dispusera uma rocha a se olhar no espelho. Tudo muito bonito, mas, ali, agora, após ver o que vi, tive um insight: Por quê, enquanto os homens brincam, as mulheres vão fundo na condição humana, no drama e na tragédia da existência? De fato, ali estavam agora 3 mulheres, 3 sacerdotisas, oficiando hieraticamente a liturgia da tragédia da paixão, da morte e do renascimento de Perséfone, da perpétua fecundação de Gaia pelo esperma urânio/olímpico.

*Marcia X* - a sacerdotisa-mor espermática

Márcia_X_sacerdotisa-mor_espermáticaMutatis mutandis, e sem em absoluto desejar ferir de morte as suscetibilidades dos doutos, podemos ensaiar que a prosa é mais denotativa e menos conotativa; a poesia, inversamente, é mais conotativa do que denotativa; já a arte é toda ela conotação pura, razão porque não se esgota num simples olhar nem tampouco em muitos. É preciso toda uma vida para apreender-lhe alguns dos labirínticos significados, mensagens, propriedades, atributos... O caráter! É preciso que se diga, entretanto, que não se trata de armação, truque ou recurso técnico, ilusionismo barato; não, a conotação na arte é traço substantivo da sua própria natureza e ela nada pode fazer para dele se desfazer, e nem deseja isso, sob pena de auto-dissolução. A arte é afinal um tremendo de um pandemônio e aí nem mil vezes mil vidas seriam suficientes para dela dizer. E para concluir, basta o seguinte indicador - a arte tem a mesma idade que o homem, não é curioso? Nem de longe.

Os prolegómenos acima destinam-se e são dedicados, em sua integridade, à Marcia X - artista singular e, portanto, e pleonasticamente, sem par, finalmente, ímpar. Artista ousada, corajosa e plena e que, contrariando e desmentindo a tese, não é conotativa e muito menos denotativa - nada nela é o que parece ser. E nesse sentido torna-se necessário clarear que ela, ultrapassando todos os intervalos, transmuta-se em mutante incógnita, no que faz pleno jus ao aposto do nome.

Na tal noite da litúrgica concelebração, com Lina Kim, de longe, entoando seu requiescat in pacem aos destinados ao ferro velho, para posterior fundição e re-industrialização, e Eliane Duarte resgatando a Koré dos tenebrosos reinos do coxo Hefaistos, Marcia X, uma vez mais, e dentro do refrão de que dela tudo pode-se esperar, extrapolou geral e causando-nos impactante estranhamento, ao invés de abrir, fechou as portas. Sim, e foi a chave! Não é assombroso? Talvez ela com isso quisesse prevenir e impedir qualquer possibilidade de contágio e contaminação externa, qualquer intrusão impópria e inapropriada de elementos impuros e indesejáveis. Menos a do nosso atento e devoto olhar, esse, sim, obscuro objeto de seu desejo e conseqüente sedução, já que ambas as portas da cavalariça da ponta, frente e fundos, agora não mais de grades de ferro são, mas de vidro temperado e transparente, convidativo e apelativo.

E Márcia foi mais longe e fez também mais, armando, para o nosso conforto e praticidade (já que a alta situação das janelas fora pensada para os álogos e não para os racionais), improvisados palanques rente ao pé externo da parede - tudo para nos franquear visão privilegiada e panorâmica do seu sintagma: lá dentro, funis de vidro, pendurados no teto a considerável altura do chão, se comunicavam com recipientes também de vidro, dispostos no chão, por intermédio de correntes/tubinhos condutores. Alguns funis continham um líquido azul que lentamente escoava para os copos do chão, que com seus canos altos mais pareciam béckeres de laboratório químico ou continentes de velas de sete dias, desses de macumba ou coisa que o valha; em outros, junto ao gargalo, havia depósitos de algo que sugeria sal grosso, talvez essências sólidas. E silêncio, muito silêncio!

Silêncio lá dentro, porque aqui fora, nos palanques das janelas e diante das portas de vidro, o clima era o de um galinheiro geral. Os aglomerados assistentes, sob o forte impacto da inusitada visão, não paravam de cacarejar e alardear as suas interpretações.
- Ela quer unir o céu e a terra - dizia um (lembrando-me do himeneu de Urano e Gaia).
- Isso mesmo - corroborava a outra - e é por isso que ela colocou essas correntes ... elas são feitas de elos ... e elos são como as alianças de casamento, simbolizam eterna união.
- Que unir o quê - protestou um terceiro -, ela quer é capturar o divino e transferi-lo para a terra.
- Faz sentido - concordou o outro e corrigiu - : só que ela não pretende aceitar o divino bruto, ela vai destilá-lo e deixar passar só a essência ... não vê aquele pó no fundo dos funis? aquilo é para filtrar.
- Vocês estão por fora - gritou um radical -, isso aí é cenário para uma missa solene.
- Que missa o quê, isso não passa de uma bruxaria - foi a vez de um categórico.

Nesse momento, ciente e consciente da absoluta sacralidade do seu fazer, Marcia X, hieraticamente, adentrou o terreiro, pegou um pau longo com uma garrafa de forma esférica e bico recurvo aninhada em sua ponta em U, encheu-a com o líquido e, suspendendo a haste, passou a despejar o azul para o interior dos funis vazios ou esvaziados. Como a altura fosse temerária e o equilíbrio instável, os freqüentes e abundantes respingos e derrames, ora, caíam sobre o chão, formando testes de Rohrschach, reformados por suas despropositadas pisadas; e ora, sobre sua cabeça e seu corpo, tingindo-os aleatoriamente de alviceleste, já que os suportes eram a pele branca do rosto, dos braços e dos pés descalços e também a longa túnica, imaculadadamente alva, com que Marcia oficiava. Transformou-se assim a pessoa física dela em um inquietante suporte vivo, uma pintura em processo, absolutamente autêntica e espontânea e, curiosamente, intermediada por maus condutores - o pau, o vidro; e com a mais-valia do rítmico movimento e da intrincada coreografia, ou seja, uma pintura pintando o 7 e sinalizando para o 8 deitado, o infinito! Uma visão onírica de grande emoção e transcendência. De relance, os constantes abaixamentos e as exaustivas empinadas daquele corpo, nos lembraram de Robert Ryman e do esforço extremo imprimindo íntima expressividade.

Enquanto isso, aqui fora, após um reverente silêncio inicial, diante da magia marciana, a tagarelice continuou rolando solta:
- Ela parece aquele acendedor dos lampiões a gás das ruas de antigamente ...
- É, pode ser ... nesse caso ela dá a luz ao mundo...
- Eu ainda acho que ela lembra o coroinha com aquela vela na ponta do pau acendendo as velas dos candelabros ...
- Na minha opinião, ela quer sinalizar a fecundação da terra; aquele líquido que pinga sobre ela simboliza o esperma cósmico.
- E desde quando esperma é azul? Já não basta essa estória de sangue azul, agora você quer que haja também esperma azul? Coisa mais nazista!
- Na arte, as coisas não precisam ser realistas, ela só não quis ser muito linear, óbvia. Não existem cavalos verdes, mas tem um que assim os pintou - informou o informado.
- Duvido que seja isso, esperma é muito forte e agressivo, seria um sacrilégio, ela não faria isso - disse a beata.
- Você é quem pensa, ela uma vez expôs um monte de piruzinhos e até um piruzão iconizado e canonizado, estava dentro de um oratório como se fosse a escultura de um santinho, arrematou o estudante.
- Se for essa estória de esperma, ela até que não foi radical demais. Teve uma norueguesa que numa performance, no ano passado, tomou banho com esperma de verdade.
- Pode ser, pode ser - interveio uma - os funis com seu formato fálico são os pirus por onde o esperma sai e o copos são as vaginas que o recebem ...
- Dizem que a Messalina tomava, no café da manhã, um copo de esperma que ela mandava tirar dos escravos negros.
- Ih, essa tal de Messalina não é aquela que morreu pisoteada pelo cavalo quando tentava trepar com ele?
- Vocês não entendem nada de arte, ela só quer, que nem o Gagarin, nos dizer que o mundo é azul! - concluiu o filosófico.

Diante da extensa extensão da performance/liturgia, nos afastamos sem saber das demais assertivas nem do fim do teama. Imaginemos que tenha sido assim: Em dado momento, cansada e esgotada de tudo aquilo, mas também em estado de pós-orgásmica graça, Marcia X botou literalmente pra quebrar: foi soltando, um por um, e todos de uma vez, os fios que seguravam suspensos os funis azulcontentes e os deixou se espatifarem estrondosamente ao chão, bem em cima dos macumbeiros vasos de captação das essências da vida e da arte, da fecundação, do nascimento e da morte - coisas que Tunga (presente carnalmente ali) bem conhece e melhor entende. Estava feita a catarsis. Aleluia, Apolo e Dionísio! Saravá!

Foto: divulgação

Rio de janeiro 2003

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico = amante (amado - assim espero:) da Arte


A arte será livre ou ñ será!

Tortura e Censura Nunca +! (?)

O (des)caso Márcia X.

A (per)versão do Banco do Brasil (?)

Leia entrevista de Marcelo Mendonça - diretor-geral do CCBB e opine, para o bem e/ou para o mal, sobre o caso da censura imposta pelo CCBB Rio à obra "Desenhando com terços", da Marcia X, que integrava a exposição "Erotica - Os Sentidos na Arte": a escolha é sua e a consciência idem : telefone para o BB em Brasília - 61 310-3536 e 3310-4256 - ou envie mensagem para o Ouvidoria > E-mail

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email


Para adquirir obras de arte, basta enviar Email - será encaminhado ao próprio artista ou ao seu galerista/marchand.

Artista, Escritor e +: ASSINE o RIOART e mostre suas criações aos qualificados leitores do Jornal e da Newsletter/InformArt enviada p/ jornalistas, galeristas, marchands, colecionadores, arquitetos, decoradores, críticos, editores, livreiros, leitores, produtores culturais, aficionados e afins: Email + 21 2275-8563 + 9208-6225


©Alexandros Papadopoulos Evremidis = escritor crítico > Email
Retornar ao Portal