| Paulo Climachauska | Palácio |
A aporia da civilização

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Não fosse Climachauska, mais que artista, um vigoroso pensador, sutil e refinado e assombrosamente lúcido, e despencaríamos no abismo do subversivo e do terrorista, na chave do demolidor e do iconoclasta, no imperativo do puritano reformador e do truculento jenitsaro!

Não foi ele que com extrema e pictórica delicadeza infiltrou coquetéis molotov nos fundamentos dos ícones da tradição?!

E não foi ele o homem que calculava, e continua a calcular, resultando em zeros, como a nos dizer que subtrair é dividir e multiplicar a miséria humana - seja do matiz e teor que for?! Inclusive a artística, vassala e tributária dos papas e dos senhores feudais - significando, sintomaticamente, este último vocábulo "de gado".

Dizer mais? Mas ele já tudo não disse? Está bem: diremos então que a dramática e, a um tempo, irônica e cáustica visão e percepção de Paulo ClimaX o elevam à categoria de ciberneta da arte e da vida, o que não passa de um pleonasmo.

Rio de Janeiro 2005

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > E-mail


"Projeto Zona Instável - Cavalariças no Parque Lage"

de Ricardo Ventura, Afonso Tostes e Paulo Climachauska

Parque Lage - cavalariças exorcizadas.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Um conto de fadas? Um romance da cavalaria medieval? Um homem maduro e rico conhece uma moça jovem e pobre e sente paixão fulminante. Ela é cantora lírica e, portanto, itinerante. Ele a segue por todos os palcos do mundo, no front do gargarejo. Manda flores, bombons, jóias, talvez, roupas íntimas de seda rendada, perfumadas! Tudo para seduzi-la. O golpe final e irresistível - ele constrói não uma mansão, e tampouco um palacete, mas um templo de amor, no coração da mata atlântica, do tamanho de sua adoração por ela. E isso, ali, aos pés do Cristo, ou em seu prosaico sovaco. No ádrio, uma piscina. Os erotômanos a imaginam cheia de champanhe ou, mais passionalmente, vinho tinto, onde os dois, nus, se entregam aos gemidos da luxúria. Ali ao lado, os puros árabes, fêmeas e garanhões, elegantes em sua etérea beleza, com que ele também agraciou a sua amada e para eles edificou artísticas cavalariças, relincham fogosos.

Corta! Corta! como Átropos o fio de nosso viver corta, como se para dizer, e diz, "memento mori", lembre-se, você deve morrer, que a vida e com ela o amor fugidios e efêmeros são, perecíveis mesmo. Nosso casal e seus cavalos são devorados por Cronos, o templo e as cavalariças ficam à mercê da corrosão temporal. Décadas depois, o templo vira escola de artes, nos moldes do Ateliê Suíço, de Paris, onde os alunos, "filhos de Piaget", desenham, pintam e bordam em liberdade. Sucessivos curadores, perdulários, não gostando do cheiro de bosta de cavalo, que o tal abobalhado general preferia ao do povo, e não querendo sujar as mãos, ignoram as cavalariças, cheias de estrume, insetos escatófagos e almas penadas - isso, "se las hay". Até que "fiat lux", a luz se faz e alguém começa a enxergar que, se os sem-terra derramam seu sangue para ocupar terras improdutivas, para nelas plantar o mínimo do mínimo, e os sem-teto, edifícios desocupados, para pelo menos ter onde cair mortos, era crime manter "aquilo" ocioso.

Lembrou-se então de Heracles, desviando o riacho para limpar os estábulos de Augias, e engrenou a turma da pesada, que literalmente pôs a mão na massa e empunhando vassoura, esfregão, balde de água e sabão, procedeu à limpeza. Na hora de caiar, foi a vez dos pintores, de parede! mostrarem sua arte. Mas ainda faltava exorcizar o terreiro para espantar as penadas álogas almas. Chamou-se então a turma dos pajés - três artistas foram convocados para a difícil missão: Ricardo Ventura, Afonso Tostes e Paulo Climachauska. Como se num reality show, os três ficariam trancados por x dias e expulsariam as assombrações (re)ocupando o espaço. Só que, ao contrário dos big bros, eles não seriam filmados e espionados, violados em sua nenhuma ou páupere intimidade. Ocorreria tudo em segredo. Ao final do prazo, aí sim, eles abririam os portões e nós, após ver, diríamos "agora sabemos o que vocês andaram fazendo durante os x dias".

"Marcos de Posse" de Paulo Climachauska - o homem que calculava!

Ao entrar na cavalariça da ponta sul, que dispõe de acessos independentes, somos recebidos por clara luz (sic). Sensação de higiene e assepsia. Belo trabalho! Mas onde está ele? É natural que um homem ereto o procure na perspectiva horizontal do olhar. Nas paredes, nada. No teto, idem. Divisa-se um tableau ao fundo, no canto direito, mas que de longe não chega a impressionar. Um, dois passos adiante e cuidado! há um espelho no chão; não, são dois. Mas no chão?! Espera-se espelhos nas paredes, onde aumentam os espaços horizontalmente, no verso e reverso das portas e dos armários, onde nos vestimos e manipulamos nossos corpos (ou partes essenciais deles). Podiam até estar no teto e tudo bem - qualquer motel sabe disso! No chão, nunca! a não ser que um voyeur se sirva do expediente para espiar e se deliciar com a visão das calcinhas passageiras ocultando o tesouro das benditas bandidas. Bem, é assim que começa a Arte!

Intrigados, damos alguns passos em volta do primeiro espelho, com todo cuidado. Sim, porque, uma pisada em falso ou um tropeço e, zona instável!, lá se vai o espelho, espelho nunca mais, cacos por toda parte (o que não deixa de ser arte para Ricardo Becker). Fora os tais sete anos de "melhor não dizer o quê, para não chamar... agourar". Sentimo-nos desafiados a, qual Narciso, nele nos mirar e para tanto nos inclinamos levemente. Sorrimos, fazemos caretas e sentimos vertigem porque, ao lado da imagem refletida, o que se vê é o abismo sedutor. Mais zona instável, esta, de perigo mesmo, porque um passo adiante e cairemos no fundo do fundo. E o que nos espera lá? Narciso encontrou a morte. Alice, as maravilhas. Luís XIV, em Versailles, o delírio. Nós, embora não tenha sido no abismo, mas na zona limítrofe, um pequeno bloco de mármore Carrara, luminoso e cintilante, em estado de quietude sobre um dos cantos do espelho. À sua frente, brancos círculos concêntricos - auréolas solares.

Os elementos do cenário evocam em nós, da geração paz, amor (livre) e mais (toda) liberdade, revolução sexual e de usos e costumes, filhos bastardos de Marcuse, Huxley, Hesse e Castanheda, autores e vítimas da contracultura e de 68, associações e memórias dolorosamente encantadoras: um espelho, uma pedra branca - malacacheta, cristal puro! embora feito de pó de andinas folhas vegetais continentes do tal princípio ativo, e bota ativo nisso! -, e carreiras, arcos, circunferências, o que mais você quer? Um cinzel ou uma gilete e uma nota de 100 dólares? E tudo isso em dose dupla, já que o segundo espelho repete, e psicodelicamente reflete, o primeiro! Só que há um porém! Para você cair de bico, de pica, de boca, ou, mais apropriadamente, de nariz, nem falo de pico, vai ter de ficar de quatro, que, além do simbolismo quadrúpede, nos remete àquele infeliz megalomaníaco general com delírios de "Imperatore", que nessa posição - perigosamente instável e suscetível de escatológicos riscos - perdeu a batalha, a insana guerra e a própria sanidade! Ainda bem! Bem? Bem, é nisso que isso dá!

Mas, espere, o que é isso? Os círculos que pareciam ser de pó branco, na verdade, são de tinta e representam uma conta (será ela a que nós, da tal geração, tivemos de pagar?!) - uma sucessão de subtrações ilógicas que invariavelmente terminam em dois zeros, que, no dizer posterior de Climachauska, simbolizam o infinito. É, faz sentido, já que duas negações equivalem a uma afirmação. Se um só zero fosse, seria dramático, posto que zero por definição é nada, e nada não existe. Tanto assim que a ciência grega, nada no nada, o desconhecia ou (sistematicamente) ignorava. Quem o trouxe à luz foram os hindus, quem sabe, por causa de seu nirvana (conjunto vazio) que em algum momento será o zero absoluto. Diz ainda o artista que quanto mais se subtrai mais espaço se conquista (o que não deixa de fazer sentido e Chaos muito bem sabe (sofre) disso. Será isso no sentido afirmativo do existencial, em que, quanto mais um se despe e despoja dos supérfluos (budistas), mais riqueza em espaço interior ele alcança? Ou no tenebroso terreno hegemônico, em que, quanto mais os indivíduos e os países ricos subtraem dos pobres, mais riqueza acumulam? Mas isso ele não sabe dizer, já dissemos, ele sabe fazer. Quanto a nós, sabemos que ali, com os espelhos, duplicando o espaço superior, ele conquistou o inferior, ainda que virtual. Com a mais-valia de, durante o dia, também o espaço exterior, com suas árvores, seus habitantes e demais presentes, que penetra pelas duas janelas - ambas, e também a porta dos fundos, devidamente sobrescritas com cálculos -, refletir-se nos dois espelhos, produzindo inusitados efeitos caleidoscópicos - uma "viagem".

Passos seguintes, cuidado com os espelhos no chão! nos levam ao tableau do canto, que do foco adequado mostra reproduzir as duas fileiras de palmeiras imperiais da alameda central do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, sendo a da esquerda absolutamente retilínea e a outra, ligeiramente enviesada, e que ao final "fingem" se encontrar - perspectiva, profundidade e ponto de fuga originais a ponto de causar inveja a Pierro della Francesca e a Meindert Hobbema, sempre tão citados. Com o acréscimo de que as palmeiras, todas elas, são meticulosamente "calculadas", id est, troncos, ramagens e folhagens, são desenhados com as tais subtrações do homem que calculava para chegar ao infinito. E chegou! Chegou?!

Não deve ter chegado - isso ainda leva algum tempo que costuma ser infinito. Quem aqui chegou, entretanto, e foi há 500 anos, foram os piratas portugueses, que a mando do pirata-mor, seu rei, ocuparam e estupraram e espoliaram estes "tristes trópicos", para não esquecer do outro. E, claro, das outras - as inocentes, estas sim! imaculadas índias. Você vai perguntar, mas o que tem isso a ver agora? Como não? As provas e os testemunhos, os climachauskescos marcos de posse! que, possuídos pela cobiça, aqui deixaram, possuindo também as a correntes trazidas (arrastadas) negras, estão todos lá, na obra do de báltica raiz artista. Por acaso, o bloco do cintilante mármore não diz do ouro e das pedras preciosas, que, como o tronco e a senzala dos africanos e a carnificina dos autóctones, daqui com dor foram arrancados e, via Portugália, na voraz e pirata-imperatriz ElizBritânia despejados? Portugal subtraiu, subtraiu, mas acabou pária. Deixou, entretanto, aqui, coisas boas como o Jardim Botânico, dirá algum incauto. E precisava? E isto aqui já não era um imenso jardim botânico natural e, também! zoológico a céu aberto?! Está certo, águas passadas não movem moinhos - o cavaleiro da triste figura e seu fiel escudeiro descobriram isso, ainda que amarga e tardiamente -, mas movem artes. Que não sei por que nos comovem.

Rio de Janeiro 2002

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