"Produto das circunstâncias" - "The >biVA Project"
A conexão Brasil-Bélgica em ação.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

"The >biVA Project", é desenvolvido pelo >biVA - Brazilian Institute for Visual Arts -, localizado em Bruxelas, e tem por objetivo divulgar artistas contemporâneos brasileiros, principalmente, nos países da União Européia. O >biVA mantém estreita colaboração com os artistas cadastrados e muitos projetos são da iniciativa deles próprios.


Christina OITICICA (Rio de Janeiro e Tarbes):

Sapecamente nomeou sua obra com o polissêmico "Caminhos Percorridos". Serão estes os que ela trilhou no interior de sua mente, efetuando as necessárias sinapses que a conduziram à maturidade artística? Serão os que ela, fisicamente, e de pés descalços, andou em busca de seus objetos de desejo? Ou aqueles que uma estranha e monumental roda de feno ou trigo rodou?

Lá se foi o tempo de o artista ficar trancado em seu ateliê. A escola de Barbizon deu-lhe cabo e os impressionistas ofereceram-lhe solene funeral. E lá foi Oiticica, com sua câmara escura, conhecer a vida e a obra dos camponeses. Ao se deparar com a estranha "roda", estacou. Deve ter se lembrado dos montes de feno de Monet, de 1891, que mais pareciam bolinhos com cobertura de creme. Afinal, os tempos eram outros e empilhava-se o feno manualmente. Inspirada, olhou de novo - não era uma roda, era um gigantesco rolo de feno. A tecnologia e seu formato. Só. Só, para nós que vemos, mas não observamos.

A sensibilidade de Oiticica captou a semiótica da protuberância do "eixo", que nela desencadeou a livre associação. Um imenso seio e seu mamilo, cuja monumentalidade, devida ao feliz enquadramento do objeto, nos remete ao bebê, para quem, no ato da amamentação, o mundo inteiro se resume em um seio - alimento primeiro de todo mamífero, que satisfaz carências físicas, afetivas e, segundo o outro, até sexuais. Daí, talvez, porque passemos o resto de nossas vidas ansiando, suspirando e gemendo por ele. E afinal, a terra toda tem esse formato arredondado, assim como seus morros e suas montanhas, e, em sua concavidade, também as depressões marinhas. Viu, ainda, Oiticica, na sombra projetada do mamilo, uma caverna cálida e úmida, uma vagina conduzindo ao útero, completando destarte o binômio do arquétipo.

Esses, os caminhos percorridos pelos animados. Não podemos, entretanto, descuidar do simbolismo do vegetal-cereal que, em sua origem, enquanto Perséfone, foi levado para o submundo. De lá, chegado o tempo, brotou como briófito, tornou-se haste de sustentação e "canudo" de alimentação do que viria a seguir - os grãos, que, por sua vez, depois, alimentariam os vivos. Pois, essa haste, agora feno-natureza-morta, teria ainda muito caminho a percorrer, servindo de ração aos animais, para que possam viver e procriar. E criar mais alimentos. E assim, ad infinitum...

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Cristina CÂMARA (Rio de Janeiro e Paris):

Conto a Cristina Câmara, que William Blake era um místico que se servia da pintura, do desenho e da poesia para expressar a sua visão do ser e do mundo, e ela ri deliciada. Será o caso dela? Talvez, embora se sinta mais inclinada a ser uma artista-poetisa que usa as palavras para celebrar a beleza em profundidade. Sim, porque também ela escreve e faz poesias. E ainda pinta, borda e fotografa. E atribui títulos, a um tempo, bem-humorados e cáusticos a suas obras, tais como "48 horas no mesmo apartamento com você foi tempo demais...", "Ela disse que me amava três vezes" e por aí.

Mas este que ela apresenta no CREA é mais discreto, embora por outro lado, também, mais hermético e, em todo caso, altamente poético em seu mistério e ambigüidade - "Sábado ou domingo". E por que não poderia ser sábado e domingo, a semana inteirinha? Não pergunte por quê, porque não se pergunta ao artista o porquê das coisas. Ele, geralmente, não sabe dizer. Sabe fazer. De qualquer forma, é certamente mais apropriado, e melhor, e mais criativo, e meritório, e compensador, ufff!, dar-se ao trabalho de descobrir por si. Isso, quando há o que descobrir. Do contrário, é inventar, criar em cima, fazer a leitura que mais nos toca, estetica e emocionalmente, que é afinal o que realmente importa. A pior das hipóteses seria deixar pra lá e passar adiante. Mas daqui a pouco, poetisa que é, Cristina nos dirá, sim, e nos encantará com a grandeza das palavras que movem sua imaginação.

O cenário é Leblon. No meio da multidão de transeuntes, Cristina divisa um ambulante com uma haste em que há caranguejos pendurados, à venda. As pessoas, comme d'habitude, passam e mal olham. É, para elas, uma cena inusitada, por arcáica, mas também cotidiana, vulgar. O vendedor aborda Cristina apregoando o valor (como aferir o valor de um ser vivo?), o frescor e o valor alimentar, mas o olhar de Cristina, magnetizado, percebe coisas que o vendedor não suspeita. Compra logo o lote todo, põe os bichinhos no banco de trás do carro, como se crianças, e dirige em disparada para casa. Lá, ao contrário do que nós faríamos, ela não os atira na cuba, nem os põe sobre a pia ou a mesa, mas os deita, fato altamente revelador, em sua própria cama.

E então, fascinada, quase em transe, enquanto eles agonizam, agarrando os lençóis, ela fixa no celulóide, em micro-segundos, as cores e formas de suas cascas - cores de jóias raras! - e os seus derradeiros espasmos. Embora macabro, é um ritual de Eros e Thánatos, de extrema beleza e profunda tragédia, que nos leva a refletir sobre a transitoriedade do homem e a permanência da natureza, alheia a nossos sentimentos. Momentos de intensa poesia e contrição.

Rio de Janeiro 2002

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