"Ponto de Fuga" - Grupo Miolo
Ponto para a arte contemporânea!© Alexandros Papadopoulos Evremidis
Ainda hoje, condicionados pelas ilustrações de livros escolares, enciclopédias e afins, quando pensamos em arte, pensamos basicamente em pintura, desenho, gravura, escultura. Assim quando chegamos a uma galeria ou a um espaço cultural e nos deparamos com a ausência desses paradigmas e a presença de outros inesperados e chocantes, é aquela perplexidade, estupefação e surpesa. E aqui está exatamente um dos pontos incisivos da arte, que é o de que "toda arte só é arte quando, entre outros atributos, mais ou menos essenciais, possui o poder intrínseco de nos supreender". E mais, o de provocar em nós reações adversas de encanto e revisão conceitual.
É exatamente o caso do Grupo Miolo, que, no dia 7 de agosto de 2002, inaugurou, no democrático CREA/RJ, a exposição "Ponto de Fuga" deixando-nos com os cabelos em pé e a alma exultante! Não sabemos se o grupo foi, qual jóia rara, "garimpado" pelo sensível faro do curador Rafael Pimenta Francisco, ou vice-versa. Salta aos olhos porém a perfeita simbiose artística. São 6 jovens - se não todos na idade, no espírito com toda e absoluta certeza, e mais, "enfants terribles" - (se dez fossem, seriam "desmiolados"; mas não, sem chistes, aqui miolo significa âmago de cérebro e espinha dorsal, segredo ósseo a ser sorvido hieraticamente; e mais, força, coragem, ousadia - tutano, no popular, e que são os ingredientes de que eles são feitos).
Três rapazes e 3 moças - que, com a denominação "Miolo" se reunem, trocam idéias e figurinhas. Altamente personalizados em seu instrumental e ferramentas, de comum só o ponto de vista e seu contraponto - o ponto de fuga. Tudo dentro da idéia do vidente, visível e simbólico olho e da garra de buscar a arte, esteja ela onde estiver, garimpeiros também eles. Resultado: a encontraram e a representaram de maneira simples, criativa, inventiva e lúdica. Como, por exemplo:Na intersecção das paredes e do teto, num dos cantos superiores da galeria, onde André Alvim imprimiu significativamente a idéia "aeroplano" tomando posse dos respectivos e apropriados planos, criando o inusitado efeito do "como não pensei nisso antes"; ou no sintomático muro sartreano, feitos de armação e telas convencionais, que nos inibe e impacta, mas que, graças ao generoso engenho do artista, abre janelas "windows" e pontos de vista originalíssimos para se encarar o mundo e com ele se relacionar.
Nos, entre outros prosáicos utensílios, visíveis e onividentes mil olhos soltos de boneca, de Cláudia Herszenhut, que, por artística intervenção e imunes ao mau-olhado (e para tanto foram oferecidos dentes de alho aos convidados), se tranformam em teatro mágico hesseano, com direito a um espelho que não está onde nem como você o imagina, fixo na parede para você chegar, ou passar, e se olhar, mas pendurado num gancho à espera de uma ação sua.
Nos vidros trabalhados e impregnados de sinalizações poéticas, da multimídia e imaginativa, em que Clarisse Tarran, sem falar em sua obra-prima em negro feita de embalagam desdobrada em sintomática forma crucial - ostentando signos e teor ideológico convincentes, de comunicação e empatia imediatos! "Não ame", diz o título de um espelho de armação demolida e, ao se olhar, você sabe que não é para amar o narciso em você, mas o "outro"; ou no olho em forma de vagina que diz que vai esperar até você amadurecer, e você sabe que fala da virgindade e da pureza de sua mente. Na transposição do idioma eletrônico para o pictórico, de Marcelo Catalano, que com elegância abstrata informatizou, sobre telas e até no chão, parede e teto, as relações amorosas e criou um romance cibernético, servindo-se de barras de leitura ótica e deixando-nos reflexivos - o que não daríamos para ter uma leitora à mão?! O amor agora será medido em bits e bytes de ternura, em discos flexíveis, antes e depois, e rígidos, durante, em mbs de memória afetiva, em megaherzagem de palpitação cordial. É a reinvenção do universo huxleyano ou 1984 em progresso.
Nas manipulações de fotos e filmes, de Júlia de Souza Rodrigues, que, partindo de um bi-dimensional e limitado território, consegue ganhos extra de espaço, volume, profundindade e composição cromática pura, dignas de mestre. Abstração concreta e palpável.
E finalmente, last but no least, no cartunístico trabalho de Mauro Espíndola, que, com seu Dr. Victal e mais o auxílio de uma miscelânea de materiais mascarados, nos quer a todo custo equipar com as mais esdrúxulas e estrambóticas próteses oculares - sempre esse olho! e seu ponto de vista, ou de fuga, se preferir, mas fugir para onde, José? -, que nos permitirão ver e peceber o mundo assim e assado, mais assado, quase carbonizado. A não ser que ponhamos mais miolo em nossas vidas, mais curiosidade, mais busca, mais inventividade, mais criatividade, mais espírito lúdico e, ao mesmo tempo, mais resistência e luta, como fazem esses seis possuidores de consciência crítica aditivada. Arte contemporânea é isso - ver a arte em toda parte! Nem todos assim pensam - o tio-avô de um dos integrantes, arquiteto, ao ser perguntado se estava gostando do que via, olhou com constrangimento e, como que se desculpando, resmungou: "Essa juventude de hoje, com essa tal de arte contemporânea, faz cada coisa ..." "Pinta e borda - foi lhe dito -, mas não se assuste, sempre foi assim. Isso que você chama de "arte contemporânea" é o que de melhor podia ter acontecido à humanidade - um vasto laboratório experimental artístico. É daqui que nascerão os grandes revolucionários do amanhã, porque, na verdade, quem sempre fez as revoluções foram os artistas, que, dando sua vida e sua sanidade mental, nos libertaram do absolutismo secular e religioso. Os políticos, oportunistas que são, só seguiram as tendências. Arte é isso mesmo - um ato de rebeldia e reação a um status quo, a uma sociedade e até a própria natureza, ici inclus, a inumana condição do homem - solitário em meio à infinitude espacial e tendo que ser predatório com o meio circundante e se entredevorar para sobreviver. Só a arte para humanizar esse trágico destino.
Fizemos esse preâmbulo para dizer que, dentre todas, a arte contemporânea é a que tem o maior poder de sedução. Está certo, em seu tempo toda arte é contemporânea; mas aqui e agora a conceituação é strictu sensu - não é seu caráter temporal que nos comove mas, sua ampla liberdade, sua democratização e espírito ecumênico. Uma revolução silenciosa que começou nos idos de 1855 com o "Salão dos Recusados", de Paris, e foi amadurecendo em suas passagens pelo dadaísmo, surrealismo e popart até chegar ao Espaço Cultural do CREA, na saudável espontaneidade do Grupo Miolo, que nos ensina, sem querer, que arte contemporânea é tudo que não é arte sobre tela, papel, pedra ou metal. E a um tempo é isso tudo e mais alguma coisa que é o que faz a crucial diferença.
Mas vejamos o que os integrantes do Grupo Miolo com sua poética muito apropriada dizem de si: "Meu corpo é ao mesmo tempo vidente e visível. Ele, que olha todas as coisas, também pode olhar a si e reconhecer, então, no que está vendo, o outro lado de seu poder vidente".
"Sentir os olhos é sentir que estão ameaçados de serem vistos"
Merleau-Ponty"Ponto de fuga / Ponto de vista " habita este território infinito que se estende do espectador, e vai além do objeto "obra de arte", esse resíduo físico das idéias e pensamentos de artistas.
Não há concretização de um trabalho artístico, sem que haja uma pausa dos sentidos, uma parada de atenção momentânea. É preciso que haja o outro - ou a outra coisa - que te olha para ser olhada. É preciso que se coloquem à disposição seu corpo e campo de ação.. É uma parada ancestral, de ritualizar nossa existência cada vez mais afetada pela velocidade e superficialidade.
Somos violentados diariamente por excessiva informação, demanda de ação e corrida contra um tempo inexorável. Essa velocidade, impressa na retina, no ritmo, no som e na alma, nos afasta da reflexão e do deleite. Vivemos em estado de alerta permanente e algo que nos afeta de forma apenas sutil pode não ser recebido , ou até mesmo percebido, mas com indignação e espanto por um "holos" saturado.
Neste panorama o objeto de arte é artefato e artifício, que cria um percurso na tentativa de nos compreender. Buscamos nesse contato um pedaço de nós mesmos, algo que nos identifique, e autentique. Algo que possa nos mapear no mundo.
Esta é uma mostra que fala da Percepção. Surge do convívio de um grupo de artistas - Miolo - que discute Arte e Vida. Um grupo diverso em seus meios e suas inquietações. Lidando com mídias diversas, traz enfoques diferentes, que falam ao olho, ao córtex, aos instintos, à razão.
Cruzar a fronteira, abandonar o território cotidiano, é uma grande forma de, olhando por outro ponto de vista, ver o mundo com o espanto , o estranhamento e a curiosidade que desaparecem quando se está dentro dele.
Assim, passamos, principalmente, a ENXERGAR. E não simplesmente a ver.
Grupo MIOLO 2002André Alvim apresenta duas obras. No primeiro, empilha telas tradicionais, erguendo um muro que obstrui a passagem do observador, mas não sua visão. Através de fendas criadas nesta construção as telas deixam de exercer sua função tradicional de suporte, passando a ser superfícies condutoras da direção do olhar, e não mais objeto para onde o olhar se dirige. AEROPLANO é uma série ( do qual mostro um trabalho) de reflexões sobre as relações criadas no encontro de planos no espaço. Aqui precisamos envolver o olho e todo sistema nervoso, para que se dê o encontro de obra/espectador. É um processo que inclui relatividade, reconhecimento da ilusão, raciocínio espacial, leitura da luz e outras questões que confudem o olho num jogo de "o que se vê nem sempre é o que é".
Clarisse Tarran - "Das Aparentes Aparências" é a idéia que contém algumas séries de trabalhos diversificados que falam dos relacionamentos humanos com seus pares e seu habitat. Qual a aparência, a forma nessas correspondências? Nesta exposição, a artista apresenta cinco trabalhos. O primeiro entitulado "Cubo" é um baixo relevo em madeira, onde imagens e palavras se relacionam, numa superfície com a forma de um cubo aberto como embalagem de papel. E uma série de quatro superfícies de vidro, serigrafadas e jateadas, com fragmentos de textos. "Eu retiro os textos de cartas e pensamentos meus, associados a imagens de antigas gravuras, em sua maioria anatômicas, que adicionam a essas idéias, uma fisicalidade, que soma novas possibilidades ao significado do que está sendo dito", explica a artista.
Claudia Herzenhut - Com materiais banais, como panelas, bandejas, óculos e com a utilização de superfícies reflexivas como espelhos, retrovisores e CDs, incorpora a presença do espectador em seus objetos, transformando o passante em participante, provocando um relacionamento íntimo . Não mais limitado a um deleite retiniano, mas imerso num jogo que lhe estimula os sentidos e os pensamentos. Os objetos, deslocados de suas funções cotidianas, ganham novos sentidos nos trabalhos de Claudia.
Marcelo Catalano - "A experiência do trabalho em grupo é sempre fruto de diálogos e intervenções entre seus participantes. Nessa mostra, os trabalhos que eu apresento foram concebidos a partir do tema, a partir do olhar, do olho eletrônico", afirma Marcelo Catalano. O leitor ótico, aquele que identifica o conteúdo de informação num código de barras, vai escanear, ao invés do produto, sua classificação e seu lote, as relações humanas no século vinte e um. "Embora o meio seja a pintura, não acredito que eu esteja abordando questões pictóricas nessa exposição. Qualquer um dos quatro trabalhos poderiam ser executados em um outro processo. O que vai prevalecer é o entorno", afirma Catalano.
Clique aqui pra ler resenha mais recente que escrevemos sobre o artista.
Mauro Espíndola apresenta a instalação "Próteses oculares Victal & Sons", de dimensões variadas com materiais diversos. Espíndola criou a personagem Dr. Victal. "Ele dá nome à excêntrica indústria de possibilidades científicas/tecnológicas em plena interatividade com o corpo humano. Suas próteses oculares, capazes de proporcionar visões inusitadas, suscitam questões ligadas à reinvenção do ser humano e seus aspectos ético e moral, contribuindo pra a reflexão sobre o aparente rompimento provocado pela ciência nos limites da existência do homem", explica o artista.
Júlia de Souza Rodrigues exibe quatro obras. Através do estudo da perspectiva, intervém em fotos ou filmes fotográficos, criando trabalhos que remetem ao estudo da perspectiva, da incidência da luz, das linhas, da borda, rediscutindo aspectos da dimensão.
Rio de Janeiro 2002.
©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email
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©Alexandros Papadopoulos Evremidis = escritor crítico > Email
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