Códigos Urbanos", de Marcelo Catalano.
Música do espaço - ritmo e harmonia.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Catalano


Catalano: será ele de família originária da Catalunha - cenário de alta musicalidade e cor, uma pequena Grécia?

Lembro da expô, Ponto de Fuga, do grupo Miolo, há 2 anos, no CREA/RJ. Catalano, de alguma forma, "destoava" por ser o único a usar alguma cor em seus singelos quadros (prenúncios, porém, do vindouro) que, extravasando, ainda "invadiam" o chão e as paredes. O tema parecia ser o amor codificado, "barrado". (Fiz breve, mas premonitório comentário, na ocasião.) Os trabalhos dos seus colegas eram leitura lúdica e litúrgica, criativa celebração da arte moderna e contemporânea, da liberdade. Não dá para esquecer a roda de Duchamp que, certamente, homenageava sua invenção, e que Cláudia Herszenhut havia instrumentado com olhos postiços de boneca, como se extensões dos raios - visão composta de 360º sem nem mesmo precisar girar ou rodar.

Tempos depois, passando em frente ao Rio Design Center, no Leblon, de longe reconheci um trabalho de Catalano na parede interior de uma loja. Arte é isso, pensei, deixar qual dinossauro suas pisadas no mundo. Arte é marca, logo, idéia, ritmo, música que toca na vizinhança, na favela, e você sabe de qual barraco ela provém. Catalano nem precisa mais assinar seus quadros, eles já vêm assinados all over and through. Mas ... qualquer um pode pintar barras coloridas, não pode? Pode. Da mesma forma que qualquer um pode inscrever notas e sinais no pentagrama de uma pauta musical. É, entretanto, duvidoso e incerto, que surja dali uma linha melódica capaz de nos enlevar e encantar como acontece com as composições cromáticas de Catalano - distintas, personalizadas, únicas; identificadoras e qualificadoras - senhas digitais.

Recentemente, num encontro casual, na Galeria Arte em Dobro, ele me mostrou um ouro trabalho seu, enfiado no "estoque". Fiz apenas um comentário retórico: "Já pra parede com ele!" Mas não, aquele era o dia de Fernando Velloso - a tal formiga/aranha que, servindo-se de materiais póveros - chapinhas metálicas vulgares -, tece, constrói, colore e confere sentido e direção à arte geométrica e arquitetural maior. Nesse mesmo dia, dois picos: "Gosto dos obsessivos" - disse Catalano de Velloso e, alcançando o zenith, me ganhou. Sim porque, em dados momentos, uma palavra, um gesto, um grafismo, uma expressão facial, também são obras-primas que fazem jus a enquadramento e parede. Na seqüência, entretanto, ao perguntar se eu dava chance (no Jornal) a todos (e ao insinuar que não devia), afundou no nadir. E não, por acaso, é pra dar? Indistintamente, não merecem todos uma, duas, três e mais chances? E o juízo final não deveria pertencer sempre ao povo? Não fizessem por onde, a vida já não os teria privado da inicial? Estar vivo já é uma obsessão, pensei e creditei o fora aos irrefletidos ímpetos da idade. Que o digam Goya e Rembrandt, velhos.

Tenha paciência, leitor, estamos falando de um artista que ainda fará história e nos dará muito trabalho, que é o que todos nós estamos precisando para nos manter ativos - vivos.

Agora, ao saber que Catalano inauguraria uma individual no palacete de Julieta Serpa, no Flamengo, armado do plano W, arrisquei conferir: no nível intermediário da escadaria que leva ao andar superior, duas pinturas de Catalano ladeiam um vitrô central que nos fala da infinitamente luminosa glória de Hélios/Aurora, filho/a do Cosmos. O impressionante, entretanto, é que esses dois quadros se integram e harmonizam impecavelmente com o colorido do vidro e o restante do ambiente, a ponto de parecer que sempre ali estiveram (e ali devem permanecer) a prenunciar a modernidade e seu casamento perfeito com o de valor comprovado. Depois, nas três galerias contíguas, mais trabalhos arrancam exclamações de admiração por todos quantos.

Em certo momento, dou de cara com o artista e para me defender, atiro primeiro, brincando, é claro: "Você não gosta de mim, mas seus trabalhos gostam. Não pude resistir ao chamado deles". Não há quem não possa gostar de você", veloz, ele contemporiza sem margem de dúvida da captura da lamúria imprópria.

Daí em diante é tudo música, muita música, que se irradia das barrinhas das pinturas e enche os ambientes. Grosso modo, a impressão que se tem é a representação de três estados de ânimo - os de não-cores, aí incluídos os em preto e branco; os suaves e delicados desbotados de lavagem; e os exacerbados flamboyants.

Os primeiros nos falam da luz e das trevas primordiais alternando-se ritmicamente como as teclas de um piano. Os do meio são de uma textura absolutamente etérea e cantam baixinho idílios, devaneios e sonhos, acompanham cameratas; os últimos catalisam a explosão da paixão incontida, irrefreada, avassaladora. Uma polifônica sinfônica.

Todos eles são sublinhados por títulos que não os descrevem, mas marotamente os relaxam de sua austeridade geométrica com seu espírito juvenil e linguagem pop: "Valeu, tô vazando, fui", se despede um. "E aí? Beleza? Qual vai ser?", indagam outros. "Não te levo mais", ameaça (ou pune?) este. Há entretanto um, unanimidade geral, que se chama "Me inclui fora dessa" e traz um elegante retângulo mínimo de barrinhas verticais a flutuar horizontalmente no centro da imensidão do branco universo. Este trabalho, como todo os outros, certamente, deixaria encantado qualquer Mondrian e também Malevich e Doesburg, apesar do desvio dos últimos para a diagonal - indicadora da dinâmica do movimento, coisa aliás que Zenon, o Eleata, repudiava como mera ilusão, essa de Aquiles ganhar a corrida contra a tartaruga.

Isso nos leva a, além da riqueza cromática, destacar o rigor formal de Catalano que não se dá ao luxo de improvisações - a matéria pictórica está inserida nos recipientes lineares, tal qual as barras de urânio enriquecido no reator. Qualquer imprudência e lá se foi. Barnett Newman que o diga e Ellsworth Kelly que o contradiga.

A conclusão provável é a de que "Códigos urbanos" é modéstia do artista e remota referência à arquitetônica intenção de alcançar os céus concorrendo com os góticos. Na verdade, trata-se de "Códigos humanos". Disse isso ao pai dele e ainda, apontando com o dedo, o admoestei: "É tudo culpa sua". O moço corou e, aproximando o indicador do polegar, "Só um pouquinho" se justificou, não sem uma pontinha de orgulho. Mais modéstia! Não disse?

Rubens Ludolf ia adorar!

Rio de Janeiro – 2003

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico


Catalano

| "Não posso deixar de perder #2" | 0,96m x 1,70m | Acrílica s/ tela | 2003 |


Catalano

| "KIDZ #10" | 1,00m x 1,70m | Acrílica s/ tela | 2005 |


Catalano

| "Brigitte" | 0,50m x 2,00m | Acríica s/ tela | 2004 |


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©Alexandros Papadopoulos Evremidis = escritor crítico > Email
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