(X*)POSIÇÃO 2004
©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

posição+2004_na_piscina_do_EAV_Parque_Lage [Antes de mais nada, dizer que o X do título é nosso, para clarear que não se trata de tomada de posição e sim de fornecer as coordenadas sinalizadoras de sua situação topocronológica].

No dia 13, no CCBB, foram os "cachorros grandes" da geração 80 do Parque Lage - John Nicholson, Áquila, Kupperman, Paulo Paes, o paralelo enfant terrible Alex Flemming e os demais - que nos levaram (a você e a mim) ao delírio, movendo a arte para frente e para o alto e nos comovendo superlativamente. E mostrando que continuam vivos (com triste ausência de um ou outro que Hades levou) e ativos, fazendo o que sempre fizeram - manter a chama acesa para nos aquecer e iluminar.

Agora, 14/7, no próprio Parque Lage, templo maior da arte, são os "filhotes" daqueles incansáveis trabalhadores artísticos que nos mostram que a efervescência criativa, essa sim, não tem limites em sua inventividade para expressar suas emoções e delas nos tornar sócios igualitários, fraternais e libertários.

À entrada, um modelo feminino, atarracado e por tradição nu, em posição de sentido (uma koré grega) nos recebe impassível, cândida, surpreendente e acolhedoramente de costas, melhor, de nádegas. Um adorável estranhamento para os leigos, assim premiados com os secretos e sagrados segredos da arte e dos artistas, da bruxa alquimia que mais que tudo opera com a carne animada - a tal matéria plástica, por viva, de excelência.

Passos adiante e diante da piscina, agora piscinão, somos confrontados com um happening de desfuncionalizações e desarranjos - ele está vazio de água e cheio de ar e de performáticas instalações. A unipneumassomática - "duas em uma" - Paulagabriela, servindo-se dos produtos da pleonasticamente frutífera Pomona, pintam em tempo real um monumental lençol, estendido sobre o plano inclinado do fundo, não com pincéis e tintas, mas com as mãos e com melancias, tomates, caquis e o escambau, que amassam e deles extraem o sumo/pigmento orgânico. O aviso avisa e diz que é para ser visto de cima - um apelo aos deuses? Por instantes, pensei ter visto o mítico Iniciado, lá do alto do Corcovado, virar a cabeça para direita e para baixo. Havia um indefensável assombro em sua expressão. É isso aí, Velho, os tempos mudaram para se tornarem iguais.

Concluído o ebó e o saravá da criativa dupla, uma graciosa e espevitada e elétrica e frenética jovem artista, Maíra Ribas, autora do Manifesto Popó, como que em transe, caligrafa cartazes colados nas paredes, não com as tradicionais canetas pilot, mas ao modo oriental, instrumentando pincéis, com receituários conceituais, incendiários slogans, palavras de ordem, aforismas e poesia pura e, a um tempo, absurda e assumidamente vadia e efêmera. Tanto assim que minutos depois serão "apedrejados" com tomates - podres? - pela própria artista, por alguns inocentes infantes, para quem só interessa uma suculenta farra catártica, e, por que não? também por este aprendiz (não me reconhece, de preto e cabelo branco, no fundo da piscina?!) que vos distrai, mas sem "abobrinhas". "O artista não tem ego, tem eco", epitomiza um epigrama seminal, assinado pelas iniciais de outro iniciado. Este (lamentavelmente? - você decide) ninguém "atomatou"!

Não vamos entrar no mérito de frases de efeito para validar ou descartar a idéia de a arte não tornar visível o visível e sim visível o invisível, melhor, se tornar visível. Isso são semânticas bizantinas. A arte é livre para fazer o que quiser, quando quiser e como quiser o seu querer, a seu bel prazer. Afinal, a arte não pede licença, a arte toma liberdades, como cunhou este escrevinhador. Nada, portanto, lhe é (não deve ser! e em hipótese alguma, sob pena de sua auto-aniquilação e igual dissolução) interdito. O que interessa entonces é que do nada, nada se cria; cria-se a partir de idéias e de ideais, de sentimentos, de emoções, de visões, de "insights", de atitudes, e a eles confere-se presença material, vida consubstanciada, motorizado e validado que tudo está pela libido.

Bem, vamos ao galinheiro e às galinhas de Laura Lima, que, ganhadora com folga do hors concours, soube com admiráveis bom humor e criatividade sintetizar e circunscrever a calitecnia por meio de uma inusitada e original abordagem. Um autêntico achado (aí vem você de novo com seus pleonasmos) "ben trovatto"! Imagine que ela enfeitou meia dúzia de galinhas, "implantando" nelas penas coloridas de aves exóticas, e as soltou no piscinão, onde, ora atordoadas, ora alheias à galinhagem geral, quando não ciscavam no lucúlico banquete das frutas de entranhas expostas, passeavam por entre as performáticas artistas e, cientes (galinhas tomam ciência?) de sua nova condição social, status, e daí posudas, desfilavam com elegância e garbo sobre os degraus da escada e sobre as beiradas - informais passarelas -, plenamente integradas à balbúrdia geral e ao orgiástico ritual meta-pictórico.

Perguntei-me se a função da arte seria embelezar a vida tornando-a assim mais sofrível ou mais fruível, no dizer de Matisse, dependendo do psiquismo de cada um. As galinhas, consideradas pelo senso comum como seres prosaicos e desprovidos de (pasteurizada) estética, invejariam as aves do paraíso e acalentariam o sonho de serem uma delas, por um dia que fosse? Se foi isso, a artista realizou-lhes o desejo com aquele espetáculo de "princesa por um dia". Mas ... e se Laura apenas aludia, e ironicamente, às "galinhas" e às "peruas", à sintomática e enfaixada Barbie, devidamente enquadrada e de/pendurada na parede da piscina? A um desfile casual de lourasburras? À alienação e à abdicação do uso que se deve fazer da liberdade e do pensar, dos fazer e do criar, dos elementares direitos humanos? E mais - invejoso, sonha um jumento com ser cavalo? E qual o sonho íntimo e secreto dos humanos? Serem deuses? Prometeu, o fogo roubou e aos homens deu; em troca, a ave rapina de D/Z/eus seu fígado comeu. Dédalo voou. Ícaro se danou. Diz que o Outro desencarnou e re/encarnou. Pra quê, seu infeliz?! Pra ser pregado de novo (no dia do OvO)?!

Deixemos as delirantes elucubrações e vamos aos subterrâneos e aos terraços da Escola [que Roels bem podia meter mãos pelos e pés e transformar em jardins respectivamente sub-spensos e sob-spensos da Nova (Prostituta) Babilônia]. Dizia eu que a arte, tendo a idade do homem, não acaba aqui nem agora, pois também os espaços externos encontravam-se (para inveja dos sem-terra-nem-teto) literalmente invadidos, tomados e ocupados pelas mais variadas e sempre inventivas criações dos artistas, coisa que devia também ser feita com este país inteiro - ocupá-lo de cabo (e possuí-lo) a rabo e gritar "tá tudo dominado", que é para ver se deixa de trejeito e toma jeito.

O povo [com a, pra variar, honrosa (?) exceção dos favelados e dos "moradores" de rua (existe esse contrassenso que nega o que diz?!)], não resisto, insisto: o povo público compareceu em peso e também lotou os corredores e as galerias, num contínuo entra-e-sai e comenta, de tal modo que o trânsito só era possível na base do "vem roçando mas não vai reclamando", como eu nunca antes tinha testemunhado em 35 anos de freqüência do Parque. Sinceramente impactado, emocionado mesmo, em revivescência das tantas memórias afetivas associadas àqele espaço, eu disse isso ao austero e defensivo 'EmCi' Roels e parabenizei-o pela organização. "Pela desorganização, você quer dizer", disse ele modesto e retraído e reservado (tímido? na China), como que se desculpando, mas ..., por fração, estufou o peito e seu olhar relampejou de justo orgulho e prazer. Ninguém é de ferro [salvo, aquela rainha ... rainha de quê e de quem mesmo?! - só se for da pirataria e lá pros negos louros (não na cabeça) dela] :)

Rio de Janeiro 2004.

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