"Wolff Klabin - A trajetória de um pioneiro", de Carlos Heitor Cony e Sergio Lamarão / Editora FGV
Etéreo eterno Cony! ©Alexandros Papadopoulos Evremidis*
Carlos Heitor Cony, mais do que jornalista e escritor, é um pensador. Tudo que de alguma forma ocupa, inquieta ou aflige seu espírito, ele transforma em filosofia e arte. Fiolosofia humanista. E arte na forma de romance conceitual onde ele questiona aquilo contra o que sua psiqué se insurge e tenta provar a tese que, se não resolver as angústias e os problemas do mundo, ao menos, instigará e na seqüência apaziguará as mentes e os corações - na mais perfeita catarsis. Foi assim com "O Ventre", com "Pilatos" e com "Quase memória" - escritos que, dentre todos os seus inúmeros trabalhos, se destacam como obras-primas iluminadas, perenes e inigualáveis.
Mas não é só o que perturba e tortura sua ânima individual que se transfigura em arte. Ele também perscruta a ânima coletiva, social e política - o zôon politikón aristotélico -, e até mesmo a arquetípica, para cavar trincheiras, abrir sendas, pavimentar e iluminar os caminhos por onde o comum fatal e inevitavelmente transitará. Os dilemas recorrentes e as dolorosamente conseqüentes escolhas que, desde os mitos de Héracles, Édipo, e Cristo, dividem a humanidade em eixos do bem e do mal, Cony os enfrenta ludica e corajosamente e os solve e dissolve, destruíndo os valores absolutos desse bem e desse mal, mostrando-nos que eles não são antagônicos mas necessariamente complementares. Mais, eles lutam, e lado a lado, ora autonomamente, cada um por conta própria, ora em estreita cumplicidade e colaboração. Afinal, não é à toa que, grosso modo, o bem de um é o mal do outro. Ou, como diziam os gregos, não há bem isento do mal. Et sic transit ...
Seria Cony, como alguns infelizes (felizmente poucos) e mal-intencionados críticos propalam, um cínico contumaz ou um sensitivo torturado? Eu, que testemunhei parte dos picos de sua ebulição e de sua fase de enregelamento, me sinto autorizado a afirmar, e sem margem de erro, tratar-se de um genioso gênio, iluminado e bem-humorado, dotado da mais fina ironia cáustica, principalmente quando o alvo é sua própria identidade - devotada ao pothos sem temer o preço do pathos. Um escritor que ama e cuida de suas criaturas, por mais abjetas e degradadas. Como, de resto, todo criador. Mais para pessimista, equivalente do realista racional, sim, do que para otimista alienado.
Dêem-me um tema e o devolverei na forma de livro. Com esse adágio em mente, Cony, além dos já citados romances existencialistas, niilistas e memorialísticos, produziu também romances-reportagens, como "O Caso Lou - Assim é se lhe parece", e ensaios biográficos, tais como "Charles Chaplin" "Quem matou Vargas?", "JK - Memorial do exílio" e recentemente "Wolff Klabin - A trajetória de um pioneiro", que é o que vem aqui ao caso. Com a colaboração do professor Sérgio Lamarão e recorrendo aos mais variados arquivos de texto e imagem, Cony recria o "Mauá do Século XX", acompanhando suas aventuras e desventuras desde a remota Lituânia até chegar a São Paulo brasileira ainda adolescente. Intuição, garra, competência, vontade e trabalho, muito trabalho, fazem com que Wolff, então ainda Kadischevitz - sobrenome que ele depois alteraria judicialmente para Klabin para mais facilmente se identificar com o clã e as empresas -, numa escala meteórica, em poucos anos, se torne contador, percorra como caixeiro-viajante o interior do Brasil, estruture as empresas no Rio Grande do Sul, onde ficaria conhecido nas altas rodas sociais e hegemônicas como "O príncipe russo" e, finalmente, em plena maturidade física e executiva, se instale no Rio de Janeiro, já como "Il Capo", ou Imperador, se preferir, sócio-proprietário de vasto poderio que vai de cerâmicas a papel, passando pelo raion, nylon e demais fibras sintéticas.
Embora o livro seja bem recheado de datas, dados e nomes, e ricamente ilustrado, não se atém a ser um roteiro tosco e frio ou um álbum de família. Pelo contrário, mais do que uma biografia, é quase um refinado romance, como o são todas as vidas de todos os espíritos pioneiros e empreendedores de todos os tempos. E mais, um ensaio crítico e analítico do contexto histórico e da conjuntura social, política e econômica do Brasil do século passado.
A edição, da Editora FGV, é primorosa e de fino acabamento. (Mais) Uma obra-prima, no gênero.Clique AQUI para ler a resenha que fizemos sore o livro "Quase Cony", que Cícero Sandroni escreveu.
Rio de Janeiro - 2001.
©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email
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