| *Thomaz Ianelli* - de muros e de nuvens |
©Alexandros Papadopoulos Evremidis* > Dois lances nos separam da eternidade...... e não são de dados, já que, no dizer do professor e=mc2, deuses não jogam dados. Mas..., corrijo eu, jogam dardos. E acertam sempre, seja lá onde for. Em nosso cordial peito com toda certeza.
Voltando:
Lá fora, a poluta e insensata terra dos homens, razão porque estressante.
Lá dentro, o templo que Soraia artetetou e dedicou à Areté. E é para ter acesso a ele, que, agora, MTPontes, consultora de toda obra e hora, eu e você [sim, leitor, carrego você comigo (no peito) sempre que vou a esses lugares] temos que subir dois lances de escada, para no topo sermos confrontados com a foto/cartaz/escultura do Thomaz pairando. Cumprimentos.À entrada da galeria, MC Soraia recebe. "Só você! para nos tirar de casa num feriado", finjo censurar. "É para festejar o Dia das Crianças", ela sorri marota, com a habitual ousadia - seu diferencial. Foi nesse instante que por instantes fui acometido por uma anomalia oftálmica - estrabismo: enquanto meu olho direito ainda dialogava com ela, o esquerdo viu-se seduzido pelo que ocorria no interior da nave, à esquerda: "Que festa!", sussurrei enfático, e, como ainda não houvesse convidados ali, "de cores", clarifiquei. De fato, todo o espaço parecia estar tomado/impregnado por delicadas e transparentes nuvens coloridas: conjunto reunião das cores - estavam todas lá, isoladas e, a um tempo, sugestivamente interpenetradas. Para acompanhar, um fundo de Mozart (outra criança), que mais parecia sutilmente emanar das muitas telas expostas nas paredes e também em painéis dispostos em zigue-zague oblongo, no meio. Fora as esculturas construídas com significativos descartes de toda ordem. Truques da Soraia?! Não, irradiação sensível.
Falando em nuvem, lembro ter de início ficado intrigado com o binômio titulador: muro - nuvem. Dexando a história de lado - a contínua figuração e desfiguração destas e a estóica aceitação das marcas do tempo e das intempéries daqueles -, enveredei logo pelo mais óbvio, que óbvia é a arte como a vida: peso - leveza. Está bem, muro é suporte e sobre ele recaem umectantes nuvens (Zeus em Dânae) e a envolvem e acariciam e possuem e fertilizam com suas cores.
Entregamo-nos então às três hieráticas voltas da dança do Isaías, ora virados para as obras das paredes e ora para as dos painéis, e comovidos as admiramos e coroamos com stéfanos virtuais. Emoções, pensamentos e comentários vários se impuseram. Em dado momento, "Olhe - disse eu em súbito insight à MTPontes -, ele não pinta como quem pinta sobre tela: pinta como se pintasse sobre um muro. Estou sem óculos (de leitura), veja, por favor, o título dessa obra ali". Era "Mural com Equilibrista"!
Ponto, parecia ter sido essa a senha para o imaginário: Thomaz, postado diante de uma parede velha, examina as marcas do tempo, vê onde o reboco já despencou, trincou, ou, toc-toc-toc, ausculta com o nó do dedo, está prestes a se soltar, e aí mete a ponta da faca ou da espátula, segue a ranhura e o fio da Ariadne e o arranca. (Pequenos, lá no fim do mundo, uma de nossas brincadeiras prediletas era descascar paredes de casas abandonadas e muros, para ver o que havia por baixo). Escavações arqueológicas e palimpsestos. Surgem assim camadas passadas e ganham corpo seus toscos e deformados desenhos que ele transfigura e consubstancia em personagens do circo, que, por extensão, somos todos nós - sendo ele MC, o Apresentador da função.
Preenche então as silhuetas com tintas ralas, aquareladas, pastelizadas, por vezes simulando lápis de cera, e cores absurdamente arbitrárias e, embora lembrem pedras preciosas, destituídas de brilho. Parece dizer-lhes que não aceita estrelismos, que ali com ele todas terão seu igualitário quinhão. Não é ele o domador que adocica e emudece as feras?!
E também colore o espaço ao redor com nuvens de cor - manchas e máculas franjadas. E tampouco aqui há cores estridentes, chapadas, lisas ou gráficas, o todo resultando num inventivo e bem urdido e costurado patchwork, mas sem rigor de compartimentação, antes interativo avizinhamento. Tudo, enfim, em sutil e personalizada escala cromática e tonal. A sensação que se tem é que usa pouquíssimo o pincel e quando o usa é para toques curtos e rápidos ou para espremer-lhe a ponta conta a tela/muro e fazê-la voltear e vibrar e assim se beneficiar com destaques de arejamento e de nervurização, de sensíveis/aprazíveis efeitos. Terá ele se servido também de estopa, esponja, pano de limpeza?!
Desnecessário dizer que ao final epitomizei que ali quem pintava não era Thomaz adulto, mas Thomaz criança, com toda espontaneidade e liberdade que isso envolvia. E mais - aquelas obras não tinham sido pintadas na sala de aula de artes, mas no recreio. Ao ouvir isso, Célia, sua viúva, ficou com os olhos mareados e nostalgicamente confidenciou: "Thomaz era um menino. Ouvia música o tempo todo e ia ao circo todo dia, quer dizer, sempre que havia um por perto". E Boghici, o dos límpidos olhinhos infantis, do apurado senso clínico para a arte e da legião de epígonos, sentenciou: "No caso do Thomaz, pode-se dizer que a arte não cai do céu - a obra faz o artista". Já, Genevieve, sua companheira, após lamentar "Não se fazem mais artistas como ele", declarou sua incondicional predileção pela tela "O Equilibrista e os Balões", banhada em aura de etéreo e feminino violeta.
Feliz é o que Piaget me diz.
À saída, catálogo na mão, não preciso ser sincero para dizer à Soraia que, quando alguém diz "não sei o quê, o catálogo da Soraia", eu logo corrijo: "Soraia não faz catálogos, Soraia faz livros de arte!".
Rio de Janeiro - 12 de outubro - 2006.
Alexandros Papadopoulos Evremidis = > escritor crítico > Email
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