"LILACS/LILASES", de Thereza Christina Rocque da Motta / Ibis Libris.
Poeta consumada pra ser consumida

(em larga escala).

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

No dia 21 de julho de 2003, a magia da poesia (que me perdoem a sempre boa rima fácil) durou um instante de longas quatro horas apolíneo/dionisíacas e quem mexia os pauzinhos no caldeirão eram a MC e atriz Giulia Gam, a poeta Thereza Christina Rocque da Motta e os convidados - atores e poetas, tais como, Camila Pitanga, Mano Melo, Xuxa Lopes, Ricardo Ruiz, entre outros imponentes expoentes.

Bem, o lugar - Leblon Lounge - também ajudou com seu clima alternativo, informal e aconchegante; é lounge e, pour cause, tem sofás e mesas de centro e de canto, mas na hora H surgem cadeiras, banquinhos e o que mais se fizer necessário. O público, qual ameba, toma o formato do espaço, senta no chão e, se bobear, e como é bom bobear, deita e rola. Já disse, é uma obra de arte, certamente por concebido, criado e administrado por refinados artistas.

O motivo do Sabath? Comecemos pelo começo: Giula Gam, todo mundo conhece, ela literalmente não existe, é só um encanto, ou um pé de vento, melhor, um furacãozinho, que subitamente se materializa, vira, mexe, apronta, põe tudo de pernas pro ar, levanta o moral, paga a conta e some; sai do ar para ir respirar. Sacerdotisa-mor(a) da dramaturgia, às segundas-feiras convida atores para leitura de textos teatrais. Nesse dia, entretanto, montada na vassoura, desviou para o etéreo e embarcou na dramatização da poesia - clássicos, modernos, contemporâneos e... Thereza Christina Motta [caso à parte (se ela aceitar) nessa arte]...

...que, nesse contraditoriamente também exotérico dia, lançava sua mais recente poesia "Lilacs/Lilases", inspirada em Eliot, o da Terra Devastada (prefiro Arrasada) (e bota fogo para arrasar até nada mais sobrar). Ih, a coisa agora vai esquentar! Que nada! A atmosfera dos poemas de Thereza Christina não é a do clichê da lavadeira nem a da freira, não há gritos nem sussurros. E o cenário também não é de rio turbulento nem de fogueira de hecatombes e vaidades savonarólicas. Aqui, não crime não culpa não castigo (sic), só amor.

O tom por que ela foi possuída é de absoluta quietude e placidez, não agride nem fere nossos tímpanos e menos ainda nossa sensibilidade e, mais, extrema delicadeza, nossas suscetibilidades. Seu canto, um sereno e denso lamento, é cantarolado ao pé da nascente do rio, no alto da montanha e, a um tempo, à margem do oásis, em meio ao deserto, como deve ser, já que são esses os sítios que os poetas alternadamente habitam.

Num mundo desolado, pessoas (vestidas de preto como no coro grego?) andando em círculos excêntricos, sem fim, há uma testemunha e cúmplice do tempo, a personagem central e única, que, qual corifeu, nos fala dos destroços, dirigindo-se amorosamente a seu amante infinitamente amado, que não está presente nem ausente, apenas paira e permeia, domina e se faz servo. Ela, que de seu só tem o que a ele pertence, vive de expectativas situadas na zona crepuscular, entre o ir e o vir do pêndulo e das batidas do coração, no intervalo secreto e sagrado da espera, onde tudo está suspenso. Os ventos não uivam, as aves não se desfazem em algazarra. Apenas as raízes, sob a superfície devastada, silenciosa, meticulosa e sub-repticiamente, se expandem, penetram o húmus, trocam afagos e confidências e preparam os alicerces da catedral que se erguerá em honra e glória de Afrodite Polímnios com sua flor de apenas duas sépalas e duas pétalas, um broto; o himeneu não deve tardar para quem aprendeu a esperar. Logo será primavera.

Os lilacs/lilases de Thereza Christina, tais quais as de Monet, eliminam de vez a aparente dicotomia entre ilusão e realidade, adquirem presença física nascida do nada e são perfeitos em sua despretensão de uma só eterna tarde, um poeta-guia - Eliot -, e 22 poemas, na verdade, apenas um, capitulado para ser analisado em profundidade. Pequenos desvios, no entanto, ocorrem na exata e justa medida da imperfeita natureza, não chegando, porém, a quebrar o encanto e deturpar o prazer da doação com que a poeta nos entorpece. Sente-se aqui e ali o sentir (sim, também o sentir se conjuga no idioma) em português, ou melhor, no melhor dos seus filhos - o brasileiro! -, e o verter para o inglês (perceptível que não inversamente).

O poeta americano Dominic Tomassetti teve o prazer das primícias da versão inglesa e fez sensíveis observações e sugestões de pura razão. Algumas Thereza Christina acolheu, outras, ainda não. No poema 7, por exemplo, deixar "City" e "womb" como versos solitários (jóias raras), em linhas só deles, como estava no original, de fato, constituiria um tremendo de um achado construtivista, além da bi-polaridade pilar de ambos serem úteros-túmulos; ventre aberto e profanado. Já no poema 17, enquanto o inicial "mi-mi" mia ou dorme, os 3 versos finais matam a pau e epigramaticamente os que vivem a olhar para o passado e perdem o já! A mulher de Lot e Orfeu sabem.

Configurou-se também parto particularmente difícil no poema 8: No verso inicial "They're playing a game of chess", o "drop" do "game", já que o "chess" sozinho é por todos reconhecido como jogo, teria aportado economia substancial; nos versos 3 e 4, a concordância discordou; no verso 9, (que indubitavelmente é o cerne vital do poema, de todos os poemas e de todos os amantes), o "se" da versão doméstica prejudica o amor incondicional soando como barganha; com a agravante de se processar em tempos sucessivos, do tipo, tu dá primeiro, depois eu dou. Mais apropriado e feliz seria o concomitante "seja e (no ato, também) serei", tal qual no inglês - "be and I'll be", sem essa de "if ...".

Em compensação, novamente, e agora no verso 14, com aquele "Tudo está feito e nada se sabe", Thereza Christina epitomou e epigrafou toda a perplexidade e a tragédia humana! Maktub-se, pois!, em companhia do sabedor Sócrates. Depois dessa, nem precisava ela escrever mais nada na vida! Viveria eternamente dos louros. Tão definitivo e arrasador (viu, seu Eliot?) é esse verso que o repetirei também em inglês, tão perfurocortante quanto, "All is done and nobody knows"! e ainda em todas as línguas vivas e mortas, faladas, escritas e televisionadas. Nas não existentes, nas persistentes e nas por vir.

Esse Dominic Tomassetti até que estava indo muito bem em seus comentários, quando de repente pisou na merda e escorregou feio. Usei "merda" de propósito para sacaneá-lo (com todo respeito, é claro), porque, a certa altura de sua avaliação, ele elogia Thereza Christina por não empregar "four-word letters"! Mas o que é que tem uma coisa a ver com a outra?! (Você vê, esses motherfuckers americanos são tão pudicos e puritanos e hipócritas, que falam palavrão o dia inteiro, mas nem palavra para "palavrão" eles tem - falam em "four-letter words", referindo-se a shit, fuck, suck, cock, cunt, slit, etc). Que porra é essa agora? Será que esse cara, o Dominic, mesmo com toda poesia e erudição não sabe que a gente não fala palavrão porque quer, mas porque precisa? Que a gente só usa quando necessário? Que é mais forte que a gente e nos submete e subjuga? (Quando menos se espera os diques se rompem ...", canta a poeta no 12). Que quando todas as palavras fracassam, só um bom e sonoro palavrão resolve e instala a catharsis?

Você, leitor, é testemunha: eu vinha escrevendo este merecido encômio para Thereza Christina sem usar um palavrão sequer. E de repente, bastou lembrar desse discurso moralista, na verdade, uma censura, e enchi o texto com uma enxurrada de palavrões (necessários). Fazer o quê? "É preciso paciência para estarmos vivos", sugere a poeta no 20. Paciência, portanto! E tudo bem: retiro tudo mas não deleto nada! E pra finalizar - o palavrão está no mundo, não está? E se está, tem que estar também na poesia, na arte, na vida e na morte. A merda, por exemplo, está dentro de nós, aqui, no ventre. Pelo jeito, porém, há quem a tenha e carregue na cabeça.

Falemos de poesia. Se esse Dominic teve a prima noctis dos lilases, eu me orgulho de ter tido a delirante preview de alguns dos poemas gregos, homéricos e odisséicos (mais dedo de Eliot?) de Thereza Christina, que, torcemos, sejam logo publicados. Porque depois deles nada será como antes e poderemos celebrar a autêntica e definitiva "apothéossis" da poeta!

Até lá, Lilacs/Lilases será livro de cabeceira das pessoas sensíveis e, principalmente, das insensíveis - as mais necessitadas.


Histórico de Lilacs/Lilases:

Oitavo livro de Thereza Christina Motta, Lilacs/Lilases surgiu como resultado de um exercício a partir de A Terra Devastada, de T.S. Eliot, após participar de uma oficina literária, dirigida por Claudio Willer, de março a junho de 1997, em São Paulo e escrito no Bloomsday nesse mesmo ano. A edição bilíngüe foi feita como continuidade das traduções de seus textos desde Areal, lançado em 1995. O livro contém os comentários sobre a revisão da versão feitos por Domenic Tomassetti, poeta americano da Pensilvânia, que colaborou para finalizá-la.

Tradutora, editora e poeta militante, Thereza Christina organiza há três anos o evento Ponte de Versos, junto com Ricardo Ruiz e Gilson Maurity, realizado no Barteliê, em Ipanema, reunindo poetas renomados e iniciantes, numa oficina literária informal.

Rio de Janeiro - 2003

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email


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