"JIPANKO BRASILIENSE", de Simone Katsuren Nakasato / Editora Mileto
Pecado e expiação!

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Esse é o título do livro de poemas da estreante Simone Katsuren Nakasato, parcialmente bilíngüe já que há versões em caligrafia ideogramática, e significa Japão Brasileiro. Brasil japonês? Improvável, e será dito por quê.

Nakasato, no prefácio, insere uma dedicatória: "Aos seres de alma rica". Quem serão essa almas? Como na vida, a riqueza de alma é daqueles atributos mais democraticamente distribuídos pela natureza, haja visto ser difícil encontrar quem se confesse pobre de alma, de sinceridade, de inteligência, de bondade, etc., faremos de conta que tal dedicatória se destina a todos os mortais debaixo do sol. Assim a poesia fica mais universal.

Logo adiante a poetisa se declara apaixonada pelo íntimo do imigrante japonês, cuja alma, em suas palavras, esconde-se o todo tempo em busca de um espaço para que ela se sinta à vontade. Fica claro que esse espaço é a imensidão do Brasil - porta aberta para suas almas. E fica claro também que, trilhando o caminho de Hiroshi Saito - "O japonês no Brasil" - e de Tizuka Yamasaki em seu filme "Gaijin", ela cantará a saga desses japoneses que, em diversos momentos históricos, deixaram para trás pátria, parentes, amigos e espírito bélico, finalmente aplacado pela Bomba! e se refugiaram no Brasil. E que, juntamente com outros imigrantes, tanta preocupação causaram a Gilberto Freyre, receoso de eles descaracterizarem o Brasil, redirecionando sua infante formação. Decidida e corajosamente, Nakasato contesta e corrige o mestre, revelando-lhe a inoperância da xenofobia. Mais, prova que a recíproca é mais vantajosa e verdadeira - os imigrantes abandonando seus traços culturais originais para abraçar definitivamente o Brasil e a brasilidade.

Fazendo coro e pegando carona na contestação que Simone faz do prematuro, exagerado e injustificado medo de Freyre de o Brasil se abastardar, (terá ele subestimado a tenacidade e a firmeza do brasileiro?), acrescento eu que ainda está pra nascer o povo e a cultura com tal poder de inversão de valores. A bem da verdade, houve, sim, quem paciente e sofridamente operasse tal façanha, imprimindo finalmente sua face a este país, (colonizado pela besta européia e já também pela americana), traços únicos e personalizados, caráter alegre, moleque e brejeiro, agora incorruptíveis e não mais passíveis da adulteração. Só que esse povo, a que me refiro, temperado pelo sol e amestrado pela natureza pura, não chegou aqui como imigrante, veio trazido a ferros!

Por lei natural, imigrante é efêmero, dura apenas uma geração. Os japoneses de Simone, os "issei", num primeiro momento, na chegada, ficaram assustados e atordoados com este país tropical - antagônico e complementar do Japão, em seu dizer, pois o que é bom aqui, lá tem algum defeito e vice-versa. Mas o drama não termina aí porque logo vêm os descendentes - no caso os nissei - e inicia-se um novo capítulo: o de quem ainda sendo japonês não mais tem o Japão como referencial primeiro mas também ainda não é totalmente brasileiro. Um ser híbrido? E é dessa atípica raça que Simone faz sua espinha dorsal embora também arranhe os dekasseguis - imigrantes ou nisseis que, diante do estraçalhamento econômico e social do Japão brasileiro, voltam para a origem em busca de melhores oportunidades de vida e de dinheiro e onde também são discriminados e pelas mesmíssimas razões que os nissei aqui. Também isso, o Brasil, país escravagista e escravocrata até o fim, até ser o último! a abolir tal infâmia, assim mesmo debaixo do chicote britânico, conhece muito bem - o mulato por séculos desprezado pelo branco por ele ser meio negro e rejeitado pelo negro por ele ser símbolo da traição. Presumivelmente do estupro e do "jus prima noctis"!

E assim Nakasato vai cantando as dores e os conflitos do surgimento desse novo povo - amálgama do tradicional e do revolucionário, e a conquista do seu lugar ao sol, aprendendo a bater bola e sambar! Mostra-o plantando a terra com amor e colhendo com cantoria. E aqui e ali, mostra suas próprias revoltas e rebeliões da infância e da adolescência oriundas desse inevitável choque com o avô, Japão, e o pai, Brasil. Critica surda mas duramente uns e outros por certas insensibilidades e intolerâncias, repressões e opressões. Faz isso, porém, sempre com refinada delicadeza e exageradamente respeitosa contenção, tudo nos limites da tradicional educação japonesa. Patriarcal, a ponto de fazê-la crer que não é o direito à igualdade que ela deve buscar mas à diferença - diferença invariavelmente pra menos, é o prático cotidiano quem diz e prova. Isso, entretanto, não lhe tira o mérito. Ainda! E esperemos que nunca! Pois, é jovem e talentosa, decidida e, até quase, no limite, voluntariosa. Lutará mais lutas e ganhará novas batalhas - maiores liberdades. Torcemos que tenha sucesso junto a esses uns e outros e nos brinde logo logo com novos cantos mais soltos, mais vigorosos, mais revolucionários, "sem, no entanto, perder a ternura", a tal da delicadeza, e o bom humor, como convém a uma poetisa herdeira do que é bom no Oriente e conquistadora do que será melhor no calor seminal dos trópicos onde a vida pulsa em frêmito, não repousa no gelo.

É...

Bomba caiu
Destruiu
Desacreditou a humanidade
Silêncio mundial
...
Fazer o quê?
...
Vamos para os trópicos
Bronzear, sambar, batucar.
Ser de novo
Humanos.
...

Rio de Janeiro 2001.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > E-mail


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