"As Luzes de Copacabana", de Sérgio Saraceni / Editora Bruxedo.
Copacabana não se engana
©Alexandros Papadopoulos Evremidis*
Saraceni não é marinheiro de primeira viagem na literatura. Seu primeiro livro "Ângelo - Espelho da Memória" já sinalizava seu talento criador e sua cultura ecumênica e eclética. Agora, com as luzes de Copacabana, o panorama está mais que iluminado - ele surge como um poderoso construtor de crônica, de narrativa, de trama, de suspense, de drama, de sociologia analítica de um país em um dado momento histórico - que é o que contém sua estória em doses equilibradamente literárias. Quem lê o livro pensa que Saraceni nunca fez nada mais na vida, a não ser escrever. Um escritor nato? Um homem sensível e atento ao que se passa na ânima do homem e ao seu redor.
A estória de "Luzes ...", se processa em vários níveis. Dois entretanto se destacam: num, ele tece encómios à Copacabana de então, um quase paraíso à beira-mar, e a compara à de hoje (virada do milênio) - uma Babilônia decadente e degradada, prostituída e insegura, mendiga, e ainda assim amada. Afinal, foi ela quem por longos anos sustentou seus passos e lhe revelou "as coisas do mundo". E sabidamente não se cospe no prato. No outro, ele compara seres vivos de uma determinada geração - a que vivenciou e sofreu a ditadura - e que em dado momento se bifurcou: de um lado os que, arvorando-se em donos da verdade e dos destinos dos seus amigos e irmãos, compactuaram com o grande terror, se fartaram e se "fizeram"; do outro, os que abriram mão de tudo, foram trancados nos porões da ditadura, foram torturados e seviciados, mas (alguns) sobreviveram e, contra tudo e contra todos, contra toda esperança, podia-se mesmo dizer, permaneceram fiéis aos ideais do humanismo em seu estado puro e universal - o da compaixão, da tolerância, da solidariedade, da compreensão, do amor ao outro. Custasse o que custasse. No centro dessa digladiação, Saraceni situa dois "irmãos inimigos", feliz e sintomaticamente denomiados João Crisóstomo e Aníbal, e a família de um amigo corroida pelo conformismo apático e passivo dos filhos. As drogas e as doenças terminais se instalam e o caos é iminente. E é aí que a têmpera de João Cris se faz presente e dá um presente a cada um deles - a cura, ou a sobrevida, a uma, a libertação tóxica ao outro, o perdão a um terceiro, a segurança a uma infante, o afeto sempre confirmado e renovado aos velhos companheiros de luta e de sobrevivência. Tudo com delicadeza, com discrição, com etérea bondade, que é como deve ser para ter real e perene valor. No final, um inesperado e surpreendente final! Uma apoteose!
Luzes de Copacabana é um livro que não devia acabar - é essa a sensação que se tem ao ver as 187 páginas fluírem como um cristalino e, apesar das turbulências internas, pacífico e cantarolante riacho.
A capa, banhada pela luz dourada de Copacabana (isso não nos puderam ainda tirar), traz uma profética e premonitória pintura de Patrícia Saraceni - peixes albinos e vermelhos, ensanguentados, em meio a águas escuras e poluídas. Mas Saraceni, na foto, ao lato, diz que ainda e sempre há salvação. Ele deve saber. E sabe!
Rio de Janeiro 2002
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©Alexandros Papadopoulos Evremidis = escritor crítico > Email
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