Sara Victoria - Como é isso? - Pinturas |
Um mundo tempestuoso, bem-humorado - alegria e sensualidade na ponta do pincel.

© Alexandros Papadopoulos Evremidis

Cabe o mundo, ou uma megalópole - a capital soteropolitana, por exemplo, com toda a sua tumultuada fauna e flora e com toda a sua alegria contagiante e a sensualidade transbordante, nos desérticos limites da superfície de uma tela plana, ainda que algumas centenas de vezes maior que os de uma lata de sardinha?

Esta é uma boa e bem-humorada pergunta e quem a responde, na exata e mesma medida, e diz como é isso, com todas as letras, quero dizer, imagens, é a órfica artista Victoria (nome sintomático). Servindo-se ela de generosas porções de imaginação e criatividade, convoca a seu auxílio as entidades de carne e osso e também as pairantes espirituais e, transformando a urbe em gigantesco trio elétrico, prova e comprova. Encantadora e admiravelmente, diga-se.

Instrumental para tanto não lhe falta e tampouco conhecimento de causa, haja visto, ser ela habitante daquele terreiro e, portanto, estar possuída, como de resto todos os seus conterrâneos e afins, por muito amor para dar e vender, como se diz, ou, melhor, doar, emprestar, trocar - sendo esta última a modalidade mais apropriada e justa e também a mais coerente com a physis. Uma mega procissão e missa pagã dedicada à concelebração ecumênica de fazer inveja às festas dionisíacas da fertilidade - ninfas e sátiros em orgíacos delírio e transe.

Inevitáveis brincadeiras à parte (pelas lúdicas criações de Victoria compulsivamente inspiradas), podemos tranqüilamente dizer que a sua arte, constituindo-se em contraponto ao (esquelético) purismo geométrico de há quase um século, é deliciosamente impura e, ainda, popular e democrática - uma conspiração garante lugar a todos quantos cúmplices são e, diante da incerteza nuclear, comprometidos com o prazer e a alegria, o aspecto solar e afirmativo da vida.

De par com isso vai, como suporte, o espantoso domínio técnico da artista - o grafitti e o grafismo, o pop, o cartoon, a charge, as tirinhas, a arte popular, a literatura do cordel e ..., chega! estão todos presentes e tudo flui e também e novamente conspira para transfigurar a miríade imagética dos eventos cotidianos e elevá-los a categorias axiomáticas caras à Arte. Não é à toa que ela põe e dispõe do mundo e de seus habitantes, anima e inanimados, anarquicamente - de cabeça pra baixo, de lado, de quatro (gato e sapato), os embaralha, faz subir pelas paredes - haja libido! - , os engata e os lambuza de beijos e amores e de seus humores. E, claro, também os faz voar!

Para um macrocosmo, nada mais apropriado que um micro-desenho, meticuloso e obsessivo - afinal, já saímos de início com essa, todos devem caber na lata. E assim sendo, as obras de Victoria não estão aí apenas para serem miradas e admiradas - é preciso ter espírito viajante, abertura e disponibilidade. Mas se você nada disso tiver, também tudo bem, erro não haverá e logo diremos por quê.

Em algum instante de distração, Victoria, qual encantadora de olhares, vai capturar o seu e não mais o largará até que lhe sorva a última gotícula da cidade celestial e a um tempo profana de tão real e carnal - absolutamente dionisíaca. Como não há em suas obras um ponto de vista e tampouco de fuga, ela o atrairá para um canto qualquer, o seduzirá e dele fará um súdito nômade a vaguear e a vadiar por aí em busca de caça e pasto reconfortantes e nutrientes. Ou por outra: como se quebra-cabeça, quiz, puzzle ou o que quer seja, você irá vendo e lendo, decifrando e decodificando e assim construindo a Urbs dos seus inconfessáveis sonhos. Ceda, ceda à (irresistível) tentação, pecado não há, só inocência e adolescente, romântica, alegria.

Não convém também esquecer de recorrer a uma potente lente de aumento e sair por aí (com um olho dentro das telas e outro no mundo), garimpando as sutis e deliciosas sutilezas. Paz e amor, bicho, abre a roda, põe na roda, [não fecha mais a roda que pode vir (e virá) mais gente] - são palavras de encantamento e magia que nunca saem de moda; e pela simples razão de não serem modismos, mas celulares anseios ancestrais, sem os quais que sentido a vida faria?

Rio de Janeiro 2005

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email


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