"Pinturas Recentes", de Roland Urbinati
A idade do homem

©Alexandros Papadopoulos Evremidis

O trabalho desse rapaz é bom demais e eu detesto ter que me expressar assim. Fica parecendo que o do outro não é bom. Eu conhecia Urbinati apenas superficialmente e de ouvir falar. Susi Cantarino que, além de consumada artista, tem faro fino para a avaliação da arte, referiu-se a ele elogiosamente. Intrigado, fui lá nos Correios conferir. E se eu já me sentia intrigado, acabei ficando irritado. Uma desolação se assenhorou de mim. Por quê? Por quê? Fiquei andando para cima e para baixo por aquelas galerias, que mais parecem salões decadentes e desajeitados, e buscando uma saída. Ela existia e eu sabia que só podia estar escondida ali mesmo, nas pinturas. Faltava encontrar a chave.

Explico: as telas de Urbinati, com exceção desta que aqui está estampada e de mais uma ou outra, são grosseiramente divididas em duas áreas - uma, de longe a maior, é monocromática (se é que podemos chamar aquilo de cor, mais apropriado seria não-cor, já que resultante de demoradas mixagens de pb), e ainda por cima muda e suja, na verdade, quase uma lavagem com jato de areia. Não há brilho, não emite vibração, não interage com nosso olhar, mas fere nossa alma, nos abandona à própria sorte e à impotência; à solidão, como essa que um artista sensível como Urbinati deve ter sentido, nas horas em que não cabia nos limites de seu corpo.

Resultado: nos passa a sensação de algo inconcluso e daí inquietante. A pouca cor é muda, não fala, não canta, é reino de um vazio desértico, uma terra arrasada. Digo isso, porque nossos olhos, embora constituídos de uma simples lente, devido ao constante piscar e à forçosa rotação, escrutinam a superfície em busca de referenciais em que se agarrar e apoiar para compor imagens, justa ou sobrepostas, que tornem o mundo inteligível. Parece ser vital para nossa existência o foco, o centro, o socorro. E, quando já estamos à beira do desespero, no limite da nossa sanidade, Urbinati nos chama a atenção para essas outras áreas menores onde há pequenos aglomerados de cores, essas sim, intensas e confortadoras: um azul, um verde, um vermelho, todas respirando, avançando, recuando, dialogando em um idioma que nos é familiar, razão porque nos inunda de alegria.

E é aí que se processa a mágica do contraponto do artista que, cria o estranhamento, nos atira ao nada, nos pune e depois nos acolhe em algo que só encontra paralelo em um oásis, prenhe de semântica, em meio à imensa desolação. A textura é discreta e elegante como se os pigmentos tivessem sido enriquecidos com pó de pedras preciosas trituradas e moídas - uma turmalina, uma esmeralda, um rubi, um diamante para brilho. Não há desenho propriamente dito, é a cor mesma que cumpre também essa função e delineia sutis figurações insinuantes que irremediavelmente nos seduzem. É nessas ilhas, nesses refúgios secretos e repletos de calor e humanidade, que está o encanto com que o artista nos acalenta e recompensa.

Há esperança, diz ele, que parece ser tão solitário e retirado do mundano, e ela se concentra na cor e nas amorfas e amebianas configurações, numa espécie de entidades do vir-a-ser, que surgem não se sabe como nem de onde, mas sentimos em nosso íntimo que sua presença é necessária e benfazeja, revigorante e revitalizadora. Tal qual a obra desse desengonçado e taciturno rapaz chamado Urbinati, que se diz atraído pelo espírito oriental de contenção, de delicadeza, de parcimônia, da graciosidade - são as chaves que ele nos forneceu para franquear nossa entrada no nirvana das cavernas de Lascaux, cujo ar suspenso e impregnado da história dos homens ele respirou quando criança e cuja perfeita singeleza lhe maturou o olhar, que vê também para dentro de si, para o núcleo da existência, que tem a idade do homem, que por sua vez é a idade da arte.

Se cheguei intrigado, se fiquei irritado e angustiado, acabei apaziguado e enlevado. Graças a esse poder que toda arte tem. Urbinati é testemunha de um tempo.

Rio de Janeiro 2003.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > E-mail


Para adquirir obras de arte, basta enviar Email - será encaminhado ao próprio artista ou ao seu galerista/marchand.

Artista, Escritor e +: ASSINE o RIOART e mostre suas criações aos qualificados leitores do Jornal e da Newsletter/InformArt enviada p/ jornalistas, galeristas, marchands, colecionadores, arquitetos, decoradores, críticos, editores, livreiros, leitores, produtores culturais, aficionados e afins: Email + 21 2275-8563 + 9208-6225


©Alexandros Papadopoulos Evremidis = escritor crítico > Email
Retornar ao Portal