Roberto Magalhães - pinturas e desenhos
O triunfo da personalidade casada com a liberdade

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Dizem: "Crie um estilo e terá costurado/confeccionado sua própria camisa-de-força". Magalhães, veemente, desmente.

E, manada não sendo, não segue modas nem modismos, tendências, escolas, correntes de água e ventanias, ismos de toda sorte, que lhe teriam pulverizado a criatividade e confundido, anulado a identidade! Talvez. Pode-se seguir pegadas e pode-se deixar as suas. O certo é que ele teria que não ser ele.

Mas também não nadou contra nem a favor e tampouco muito antes pelo contrário. Absorveu e assimilou o que pôde e, num misto de eremita e lobo solitário, construiu, tenaz e laboriosamente, seu simples e singelo caminho. Constitui-se assim na excepcional exceção da regra.

Sábio, sabe ele ser toda conquista, ipso acto, também uma perda. Só se pode estar num lugar de cada vez. Fiel, pinta e desenha, brinca, com a mesma alegria e prazer com que vive. Como um infante soa fazer. E tornar a fazer, quantas vezes necessário, sendo sempre necessário. [Os deuses, que Sísifo desafiava, o invejavam e o castigavam a rolar a pedra montanha acima até ela despencar e ele recomeçar sempre - tornar-se criativo mesmo na repetição e na monotonia (humana destinação). Não chegou ele a enganar e até a aprisionar o próprio Tânatos, só para que não mais mortes houvesse ou, que seja, para ganhar uma sobrevida da tão amada vida?!].

Magalhães não afronta deuses nem contra eles comete hybris, mas conta com a mais-valia da afiada consciência crítica dos humanos negócios - vê-se isso a toda hora e obra, inclusive em seus auto-retratos (muitos deles, embora não tituladas assim, assim os leio), em que não há comiseração nem auto-indulgência, mas sim fina e sutil e a um tempo caustica ironia e sarcasmo do lixo das terrenas ambições e hipocrisias, da desimportância da importância que os desimportantes a si atribuem, da fraturada fragilidade da civilização.

Tendo atirado a vaidade na fogueira, o artista se disse livre e livre foi sendo e vivendo. Lembro-me com renovada comoção do, ainda que ingênuo e inocente, romântico em todo caso, "balão/rabisco", na aquarela "O melhor desenho do mundo", que, já em 1965, o mostra pintando e cantarolando, professando, de olho em nós: "Eu imagino o que quero, faço o que quero, como eu quero, aonde eu quero". Claro que nem ele mesmo acredita nisso (talvez acreditasse então) - é modo (poético) de dizer. Sabia ou lamentavelmente, os deuses não nos concedem toda essa irrestrita, histérica, liberdade, visto não sermos ilhas - ainda quado isolados ou reclusos lobos, enredados vivemos, em rede. E Magalhães, que sentiu isso na adolescente carne, não o desconhece. Claro também é que faltou acrescentar "quando quero", mas isso é firma prejudicada, já que ele parece querer sempre. Enquanto.

Chame-o surrealista, fantasista, imaginista, humorista, onirista, chargista, piadista, caricaturista, anarquista - suas criações tudo confirmarão e tudo negarão. Não houve uma sequer obra que eu examinasse e, surpeso, não me surpreendesse sorrindo feliz com o engenho e a arte do menino/moço, que cresceu, e como! mas não esqueceu dos juvenis sonhos da paz e do amor com biomorfa cor, tal qual, por exemplo, uma flor. Que mais posso esperar de um artista?! Que ele alcance a tautológica unanimidade, assim tornando-se indiscutível?! Não. Nada está garantido e tudo terá que ser (exaustivamente!) discutido. Menos pelos infantes, a cuja cagegoria ele, mesmo tendo tomado conhecimento do bem e do mal, de fato se insere.

Depois eu volto.

Claro está finalmente que as expressivas cores de Magalhães, embora sejam elas as que mais imediatamente impressionam, excitam e impactam nossas retinas, na realidade são dotadas de poder apenas acessório. A força essencial do artista se encontra na forma precisa, minuciosa, obsessiva, metódica, matemática mesmo. Na estrutura fundamental, enfim, que dá suporte e sustenta o arcabouço cromático. Tanto assim, que pode-se perfeitamente subtrair uma, algumas ou todas as cores, sem que isso danifique sensivelmente a admirável e mágica resultante.

Talvez eu volte.

Rio de Janeiro = Março = 2007

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > E-mail


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