"Ensaio nº1: lembranças", de Priscilla Wood.
Crise e criação©Alexandros Papadopoulos Evremidis*
A garota da foto ao lado é Priscilla Wood. Em 2001, formou-se pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, graduando-se em escultura. E já tem em seu currículo diversas exposições, entre individuais e participações em coletivas, chegando mesmo a ganhar, em agosto de 2001, o primeiro prêmio na Exposição Salão dos Alunos da Escola de Belas Artes. Nada mal, não é? Mas tem mais - além de se dedicar à escultura, ela realizou inúmeros trabalhos em restauração artística, o que obviamente é a melhor escola.
Só que aí pelas tantas, Priscilla entrou em crise, coisa que pode acontecer com qualquer um. Crises não faltam aos mortais, nem nomes específicos que a psicologia atribui a seus variados tipos. Cada um reage de um jeito - uns se afundam nela e nela perecem, outros se refugiam no amor, no sexo, no trabalho, na bebida, nas drogas, na clausura, na filantropia. Com os artistas, embora por vezes os idealizemos, ocorre a mesmíssima coisa. Aconteceu com Priscilla, não aconteceu? E o tipo que a atacou foi o da crise de identidade. Sem mais nem menos, ela já não tinha mais certeza de nada, nem quem era, de onde vinha, para onde ia, o que queria. (Não foi Gauguin que disso fez até título de uma de suas obras?!) Referência nenhuma para se agarrar. E a vida moderna com seus estresses e correrias, principalmente nas megalópoles, também não facilita nada, não é? Nem dá para saber se o que estamos vivendo é vida mesmo ou a abstração dela, o simulâcro, quem sabe, valendo o mesmo para as despersonalizadas pessoas impessoais (sic).
Priscilla não se deixou abater nem dominar. Para fazer hora, numa espécie de terapia ocupacional, foi fuçar na arca da velha, onde encontrou o que se espera encontrar nesses lugares, ou seja, de um tudo - fotos, cartas, bilhetes, tíquetes, mechas de cabelos, bonequinhos, bugingangas em geral. Tudo meio desbotado, empoeirado, quase mofado. Ali estava seu passado, abandonado, atirado às traças. E o mais inusitado - havia ali também dezenas de tubos de ensaio vazios, relíquia de algum avô ou bisavô laboratorista.
A palavra "ensaio" ardeu em seu âmago, mas também funcionou como uma chispa de luz. Não seria a sua própria vida, como de resto a de todos nós, apenas um ensaio? Uma processo em andamento? No ato, a chispa tronou-se clarão e Priscilla tomou consciência de que, se de fato a vida era, como lhe pareceu, uma experiência de laboratório, então tinha que ser controlada para se poder obter os resultados desejados. Nascia ali o desafio e a decisão de transformar o sofrimento e a dor em arte. Dedicou-se então a limpar, ordenar, catalogar e acondicionar os achados, que sendo seu passado, de alguma forma projetariam seu futuro, nos tais tubos de ensaio, seu lugar de direito, por definição. Achou graça ao se dar conta do paralelo com cartas postas em garrafas por náufragos ansiando por socorro, como ela ansiava para restabelecer o elo perdido com sua identidade. Era essa a dramática realidade daqueles dias e era assim que ela se sentia - nada em meio ao nada.
A arte, porém, tem esse valor catártico e libertador. Ao concluir o trabalho de higienização e organização do seu passado, devidamente abrigado nos tubos de ensaio, Priscilla viu que tinha em mãos uma obra de arte, um meio para a mensagem, um farol, uma sinalização, um aviso aos navegantes e, principalmente, aos naufragos! Transformou o todo em uma instalação que poderá ser vista, com direito a interagir, deixando sua mensagem ou seu pedido de socorro num tubo, para a posteridade, até 06 de dezembro no Espaço Cultural do CREA - Rua Buenos Aires, 40 - Centro - Rio de Janeiro - RJ.
Rio de Janeiro 2002
©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email
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