| Pedro Wrede | Caminhos humanos |

"Gênio oculto culturando o oculto"

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Ninguém me pediu. Nem ninguém me contratou. Tampouco obedeço à rotina do métier. Escrevo impelido por compulsório impulso.

(Lamentável) Ignorância reconhecida. Não o conhecia. Também, "escondido" como ele estava, extravagando pela vastidão do mundo?! E intravagando pela imensidão do lado obscuro do humano psiquismo?! E perquirindo os labirintos (sim! há mais de um) de nosso viver?! E socraticamente inquirindo-nos para nos expor a nos mesmos e, tornando o homem Homem, devolvendo-lhe a escamoteada integridade, nos libertar afinal da infernal dicofrenia?!

Mas o reconheci, e amei, e foi à primeira vista. E foi no ato de bater a vista na foto da "Banheira vermelha" - que bandeira! - que, serenamente, singelamente, reúne e compõe e amarra e inapelavelmente inteira os elementos de nosso histórico e de nossa destinação. De fato, além dos contundentes e perfuro-cortantes símbolos e das ferozes feras, enjauladas ou soltas (silenciosas testemunhas do horror do pesadelo), estão todos lá - rupestres e Xnautas da esfera que for, passando pela moça datada, que por insondáveis razões em mim evocou a frágil, mas destemida, criatura da Fête Champêtre, a recorrente olímpica de Manet. Aqui estou, nos diz ela, e não posso de outro modo. E nos encara de frente com seu olhar límpido e levemente melancólico de dama das camélias e nos enfrenta e nos confronta com nossas misérias e nossas vergonhas. Está certo, esta, nuinha está e deitada na cama, a negra escuridão oferecendo flores (podia ter sido stéfano olival). A outra, a do Wrede, epígona imersa no sangue do Marat, cândida, com incomensurável doçura, e intrigada, nos penetra com o olhar e com a sutil e, a um tempo, dramática pergunta que pergunta da corrupção da carne. O tempo, em paciente, mas vigilante espreita, suspenso está. E com ele nós, sem chão, no vão.

Movido e comovido, fui então ao verniz do moço da moça, não para conferir, mas para confirmar e me deleitar - sim, tiramos prazer de tudo, até do que nos amedronta e tortura, almejando assim por uma desejável catársis (que não se sabe ao certo se virá). E, após peregrinar pelas dezenas de obras, mais parecia uma retrospectiva - não dele, já que no grosso recentes -, mas do século passado, talvez e certamente do tempo todo, ratifiquei a cumplicidade na ruptura da carapaça que nos recobre, para revelar o que ocultamos sob - no porão do sótão. Calypso, com suas artimanhas, pretendia revelar um estapafúrdio, ainda que imaginativo, futuro. João, em ensandecido delírio, fez a sua catastrófica revelação, do mesmo terrorista futuro. Wrede também, porém na contramão, já que não "vidente", que videntes, e cegos! a um tempo, todos somos, também revela, mas não o futuro e sim o passado e o presente dos inconscientes corredores subterrâneos dos viventes, que, cobaia de si mesmo, percorreu e pesquisou e sofreu e emergiu inteiro e íntegro. Claro, descontados os intrínsecos danos e perdas, o preço do conhecimento. O futuro, que ele deixa a cargo da regra de três, implacável, lá estará se/nos consumindo na degradada e desordenada entropia. Com Freud fazendo sesquicentanivérsário, nada mais oportuno, diria Camus, um estrangeiro e um de nós. Um exilado.

Ao final do périplo, em estado de reverente e encantada des/graça, tentei trocar figurinhas com Wrede que pensei ser velho como o tempo, que de fato era, mas com ânimo juvenil. Um travesso, um Lock, um capeta, um Hermes roubando rebanhos de almas e tartarugas para com o casco destas construir os líricos violinos do réquiem. Diante do incessante afluxo dos acorrentes porém, (como era amado!), o colóquio revelou-se insustentável. Também pra quê?! "Valeu a pena termos vindo de São Paulo", dizia a mulher do casal, em hipotecado êxtase. "Faço questão de comprar uma tela sua, Pedro!", exultava afogueada outra, "Cadê o seu marchand, está atendendo a fila de compradores e fazendo contas?" E como Wrede, constrangido, sorrisse amarelo, olhando amécano para mim: "Por acaso é você?", ela se dirigiu inflamada a mim. Quem dera... Fosse, não ia vender. Ia com elas forrar as paredes do meu canto e convidar os amigos, os inimigos, os neutros, os todos. Inclusive, e prioritariamente, os tolos, meus desencaminhados semelhantes.

Rio de Janeiro - maio - 2006

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email


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