"AS OITO MORTES DO IMORTAL" de João Pedro Paes Leme / Editora 7 LETRAS
Mortes não morridas?!©Alexandros Papadopoulos Evremidis*
"...dilatar a vida dos homens era dilatar sua agonia e multiplicar o número de suas mortes ..." - Jorge Luiz Borges em "O Imortal", apud João Pedro Paes Leme - um astro na escuridão!
Astro, sim, mas não no sentido "roliudiano" - embora physique du rôle não lhe falte! Astro porque logo haverá quem queira ver no escurinho o que leu na celulose e na mortal solidão do quarto. E também não foi sem mais nem menos que ele nasceu. Foram necessários 33 anos, 15 contos e inúmeras mortes. Ele diz que foram apenas oito mas como o título nega o que afirma e como sabidamente os epígonos de Garcia Marques são mágicos, fantásticos, encantadores e mentirosos, é melhor se prevenir. A gente nunca sabe de quem será a próxima. Morte.
Estou falando do livro de contos "AS OITO MORTES DO IMORTAL" que João Pedro Paes Leme autografou na noite do dia 26/11/01 no Museu do Universo - Planetário. Foi uma noitada das mais memoráveis, de fazer inveja a muito acadêmico e monstro sagrado. A fila simplesmente não dava sinais de querer seu fim. Ou esse cara é muito querido ou sua escrita é boa demais. Mas como se trata de livro de estréia, vale a primeira. Por enquanto! E não será à toa! Examino a capa e sinto arrepios - ela é composta por 8 janelinhas do "Paraíso e Inferno" de Hieronymus Bosch (sintomático?). Imagino o que me espera quando espiar para dentro das janelinhas!
À meia-noite, hora da morte que não escolhe hora, a fila finalmente se esgota e João Pedro, visivelmente aliviado, se levanta, sacode a poeira e estica as longas pernas. Parece exausto mas em estado de graça. Pergunto há quantas horas ele tá nessa. Das 7 até agora, 5 horas portanto autografando sem parar, diz ele suspirando e parecendo não crer na própria façanha! Sua mulher, atenta e vigilante, corre para lhe aplicar uma massagem nos ombros. O filho de poucos anos "rouba" sua cadeira de rodinhas para brincar de corrida de automóveis - vruuum, vruuum! O pai é repórter esportivo da Fórmula 1 pela Globo. Mas hoje, ele é um campeão de outra fórmula - a literária! Primeiro livro e já levando o título! Está impressionado? E como! Nunca imaginou que seria assim. Mas ... e escrever um livro foi impulso, compulsão ou sonho acalentado? Aí, sim, os olhos de João Pedro, brilham, ele desperta da letargia, se entusiasma e pleno de vivacidade, como a lembrar momentos felizes, diz que desde pequeno, desde sempre!, quis escrever, sabia que um dia se tornanria escritor. E se tornou! Foi sagrado!
Nestes tempos modernosos com tantos pré, pós, meta, além e alienismos, é um prazer inalienável, ver João Pedro Paes Leme pôr a literatura em seu curso natural. E olha que ele escolheu, ou por ele foi escolhido, o gênero mais difícil de todos - o conto. Na poesia, grosso modo falando, a rima salva qualquer pátria, e no romance um devaneio romântico seduz e entorpece qualquer leitor. O conto não! O conto exige disciplina, rigor técnico - formal e material. Nervos de aço. É portanto um recipiente de difícil manuseio e limites exatos. Uma pisada em falso, um escorregão e tudo estará perdido. Como se você tivesse que usar uma quantidade exata de vocâbulos e numa determinada e obrigatória ordem - crescente! Paes Leme sabe e conhece os segredos e os cânones e cumpre fielmente os atributos. Em momento algum nos deixa com a sensação de carência ou de enjôo. Cada palavra sua é uma facada profunda, um tiro certeiro, uma imolação holocáustica.
Não soubesse eu a idade de Paes Leme e teria pensado, ao terminar de ler os 15 indefectíveis contos, quase que de um trago só, com releituras inevitáveis, como se manancial inesgotável, tratar-se de um homem maduro, experimentado e seguro como poucos do seu ofício! Um sábio centenário! Tal a desenvoltura, o domínio e manejo perfeito que ele têm das palavras e de sua arquitetura e engenharia - tudo conspirando e concorrendo harmoniosamente para a construção de uma catedral gótica ou uma teia de aranha - ambas sugerem uma armação que nos aterroriza mas também enleva. Ao final, sobra fino acabamento e nenhum entulho. Cada peça é única e insubstituível. Personalizada. Como um terno impecavelmente cortado. Ou - diante do tema - um caixão magistralmente pregado. E mais, artesanalmente marchetado com referências, sinais e códigos inspirados na estratégia de passo a passo e de pra frente e pro alto onde nos espera o "grand clou" - o desfecho triunfal e apoteótico, supreendente e inquietante! Inesperado e avassalador!
A estreante quinzena de contos de Paes Leme é composta ora de temas hilários e cómicos, ora cáusticos e irônicos, existencialistas e filosóficos. Mas a veia central percorre os caminhos da morte. Morte morte, morte matada e morte em vida. Mas não a morte das superstições e do engano, nem dos terrores noturnos. Não é prêmio de crimes cometidos ou recompensa de pecados. E nem dela nos fala Paes Leme para nos deprimir ou assustar mas para nos libertar. Afinal, no dizer de Epicuro, não precisamos ter medo da morte, porque com ela nunca cruzaremos. Quando nós estamos, ela ainda não chegou. E quando ela está, nós já fomos. João Pedro parece ter plena consciência disso, senão não a teria escolhido como sua protagonista. Nem dela constituído a armadilha dos humanos destinos. A morte dele - única certeza na vida - é "deus ex maquina" e portanto instrumento divino. E assim como todo o restante da natureza, ele a trata como cotidiana presença e companheira do fado, natural ou invocado, com o devido distanciamento e o necessário alheamento, quase jocosa e zombeteiramente. Bem-humoradamente! Surrealista e fantasmagoricamente.
E ele quase não se dá ao luxo de arroubos. Sabe ser contido no exato território do plausível e do imaginário. Com método e sistema. Cientificamente, ele nos faz avançar, e sobre o fio da navalha!, até a beira mais alta do precipício, num meticuloso e ofegante "crescendo", e aí de repente nos larga ou nos confere o benfazejo empurrão para em pleno vôo ou queda livre atingirmos o clímax, mais, o paroximso, que é objeto proprietário dos seus fragmentos. Suspiramos fundo, e aliviados, recebemos a morte não como uma penalidade mas como uma dádiva desejada e querida, uma solução para a tensão, que se nos assenhorou subrepticiamente, circunstancial ou estrutural. Porque primordial, Tânatos sempre foi e juntamente com Eros, seu companheiro inseparável! Resta-nos, e com grande lucro, o sentimento da catársis por nos sentirmos vingados, por a morte ter cumprido seu papel solvente e libertador, justificado ou não. É o curso natural do sobrenatural que resusamos porque nos amedronta. Nos amedrontava! João Pedro nos revela o ridículo da nossa condição humana. E lá de longe acena com uma imperceptível esperança!
Volto a insistir - nestes tempos de acentuada impotência e ejaculação precoce, de gozações nas coxas ou de masturbações nos teclados das paixões virtuais, é saudável e desejável se embriagar com o frescor e a dinâmica de quem quer e vai fundo, bem lá no fundo do fundo do poço para resgatar o que ainda pode ser resgatado e reintegrado -restaurado! E o melhor, ele já não mais cobra o óbulo da travessia, antes nos oferece carona para o caminho da volta, na companhia de Orfeu e sua lira a apaziguar os tenebrosos monstros dessa nossa civilização que, tendo perdido sua sílaba inicial, há muito faz triste figura na "cul de sac" a que nos conduziu. Paes nos diz que ninguém mais precisa olhar para trás. Urge, isso sim, reconstituir as veredas das forças da natureza e seguir a trajetória das estrelas apalpando suas pegadas. Se viemos ao mundo por meio de um pecado, então nosso lugar é no inferno. Sim, e mesmo porque no paraíso não ha sexo. Sexo pertence ao inferno. Bosch sabia. Paes sabe. Leme não lhe faltará!
Rio de Janeiro 2001
Alexandros Papadopoulos Evremidis = > escritor crítico > Email
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©Alexandros Papadopoulos Evremidis = escritor crítico > Email
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