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| Milton Machado | Sobre a mobilidade |

Dispondo de sua câmera fotográfica, Milton Machado vai andando pelas cidades, examinando, classificando e percebendo pontos em comum de coisas cotidianas aparentemente muito diferentes, interessado sempre em descobrir e estabelecer novos nexos. "...a mostra pode ser entendida como o esboço, embora já bem alentado, de um verdadeiro tratado sobre o acaso ou, dito de outro modo, de como as coisas se relacionam umas com as outras", escreve Agnaldo Farias.

Desta forma, um buraco na rua pode ser o mapa do Brasil (London Snow África, London Hole Brazil - Londres 1999, Rio de Janeiro 2001), um automóvel Galaxie vira edifício (Edifício Galaxie, Rio de Janeiro, 1982), uma marca de bala perdida na janela deflagra uma memória afetiva (Balas Perdidas, Rio, Londres, Nova York, março a dezembro de 1996).Com suas investigações formais, conceituais e narrativas, Milton Machado constrói uma obra que revela o artista culto que é, o observador arguto do mundo, evidenciando em cada trabalho o incansável pensador que está por trás. A reflexão é tão forte em sua obra que o espectador pode percorrer a exposição, munido de um texto escrito pelo próprio artista, que ficará à disposição dos visitantes. Segundo Luiz Camillo Osório, nos trabalhos de Machado o que lemos não determina a imagem, como pode parecer para os que defendem a autonomia do signo visual, mas vai alimentá-la com novos sentidos. "O que interessa é a contaminação entre o texto implícito na imagem e aquele que é acrescentado pelo artista, ou seja, como as informações concedidas vão gerando surpresas em vez de abafá-las", escreve.

Rio de Janeiro 2005


"(1=n) um intervalo", de Milton Machado.

Um desestruturalista contumaz ou a re/engenharia da arte.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis

A casinha em que está instalada a galeria de Mercedes Viegas - uma très belle e très elegante femme - parece de conto de fadas. A arte começa aqui. Do lado de fora um pequeno jardim, (hortus conclusus), com seu aconchegante cantinho secreto, todo tomado por arbustos, plantas e flores. Trepadeiras cobrem a fachada e lhe conferem aquele ar de surpresa, encanto e mistério. Dentro, um banho de aprazível luz; não ofusca, não constrange, nem interpõe obstáculos à comunicação. Os focos parecem dispostos e graduados artisticamente. Um hallzinho e uma pequena sala - a galeria - uma casinha de boneca, feita sob medida para arte nanominimalista. Tudo clean, asséptico mesmo. E ainda assim contaminado - pela arte ...

... de Milton Machado. Diz ele, no release - uma peça que, a julgar pela poética de seu texto, trai seus pendores também de vate -, que abandonou a engenharia por conta de desafios do tipo: qual o índice de probabilidade de uma bola de pingue-pongue atirada manualmente contra uma parede de concreto, afrouxando-lhe as moléculas, furá-la? Efeito tunel?! (Neutrinos atravessam sem dificuldade alguma a imensidão do universo, as coisas e os humanos corpos). Desviamos e devolvemos o paradigma proposto: quantas bolas teríamos que arremessar contra essa mesma parede para obter idêntico resultado? Num caso como noutro, um furo na água, já que Machado pode até ter abandonado a engenharia, mas a engenharia não o abandonou. Tanto assim que, na hora de nomear sua mostra - (1=n) um intervalo -, foi ela e suas precisas disciplinas que o equiparam com as fórmulas e os gráficos ilustrativos do enunciado.

Insurgente e demolidor (não quer derrubar os muros?), decompõe Machado o "1" para à luz do sol analisar e expor seus elementos constitutivos "n". Ele menciona indeterminações, potencializações e exponenciações no tempo/espaço, mas nós logo pensamos nas familiares entidades "conjunto" e "conjunto partes de um conjunto", o primeiro se resolvendo no segundo: todos, as partes inter-relacionadas em subconjuntos de um, de dois, de três, (...) e o vazio! E uma vez mais questionamos - configuraria este último, em essência, um nonsense? (Dize-se ter dito Odysseus a Polifemo, depois de lhe ter esvaziado o olho, que seu nome era Ninguém - conjunto vazio, portanto; mas em plena ação?). A questão é mais complexa - é o vazio passível de identificação e qualificação, sem que seja por oposição ao cheio? E além - há mais de uma espécie de vazio? E ainda - é errôneo usarmos o vocábulo no plural, já que sua conceituação é singular? E por que o desnaturado zero é número natural? São parábolas cuja hermenêutica é função de Machado.

Seja como for, para a arte, num primeiro momento, e aparentemente, todas as hipóteses seriam irrelevantes, já que ela não opera com grandezas concretas, objetivas e comensuráveis, mas com a emoção pura, não qualificada e não passível de classificação e quantificação possível; seu território é o da licença poética, da liberdade de romper as efêmeras leis e, se nem sempre eliminar, dilatar as fronteiras, obrigá-las a tender para o infinito e se curvar sobre si. Não parece, porém, ser desse modo simplista que pensa nosso artista que mantém rigorosamente os conteúdos aqui e as formas, ali, ao lado - desencaixados sobre a bancada do laboratório, objetos de investigação. Não há paradoxos, nos diz ele. De alguma forma tudo faz sentido.

Na verdade, Machado - todo artista - quer é espiar pelo buraquinho aberto na parede de concreto para ver o que há do lado de lá do que se considera intransponível; melhor, partir o invólucro do núcleo, penetrar sua intimidade e ir além, para as camadas do além - instalar um posto avançado de observação nos orbitais e nutrir-se das incertezas. Sua busca, agora sim, é pelas simples e imutáveis leis fundamentais, em um mundo em virtual, contínua e constante expansão. São idéias que aferimos pela observação prática e pela experiência. E para isso, socorre-se ele nessa investigação com o método interdisciplinar - para um desafio da física, nada melhor que a arte, a geometria, a filosofia e até a medicina, entre outras. Sim, porque aqui e ali, ele intervém cirurgicamente e dissocia, por exemplo, a luminosa cor e o recipiente que a contém. Fica, então, aquela, solta no ar, e nós somos invadidos por essa estranha sensação de que não foi ele quem ali a pôs, ela sempre lá esteve. Este, o poder da arte do artista irrequieto e perquiridor. Criar onde antes nada havia. Ou por outra - se o inexistente Deus criou o mundo, os artistas estão a aperfeiçoá-lo continua e diuturnamente.

Não sendo Machado o tipo de artista que ignora as ansiedades e os medos próprios da condição humana e se acomoda na plácida contemplação, quase que compulsivamente perscruta ele o obscuro mundo da dúvida e da insegurança para, purificando-os, conferir-lhes alguma espécie de expressão física, um alívio de carga. Mais adiante serve-se ele de planos, espirais, estruturas abstratas e, a um tempo, construtivistas, degraus, plataformas e até de poeira estelar para, passo a passo, dados os sete passos, apoiando-se num, alcançar o seguinte e assim chegar ao topo, ao um que é o todo, no mínimo n. E nesse sentido e direção, transpondo os limites da física e do real, ele se reveste de uma qualidade quase metafísica, descartada e prejudicada que está, entretanto, por inepta, a teologia - corolário da mitologia.

Estamos diante de um poderoso artista, cientista disciplinado e rigoroso e, no entanto, absolutamente permeável, ainda que isso - a bola furando o concreto - leve uma eternidade (a tese é dele). E estando ele anos-luz adiante, como seguir-lhe as pegadas no espaço sideral se os ventos que constantemente por lá sopram as desfazem e embaçam nossas vistas?! Não há motivos para temores e pânicos. Machado não nos deixará desprotegidos. João e Maria. Por toda a extensão da caminhada espalhou ele veículos espaciais a nossa espera. Fótons inesperados, não importa se de incerto "onde e com que velocidade", iluminarão a trajetória. É o que ele está querendo didatica e pacientemente nos dizer e ensinar - perder o medo e se submeter ao experimento. A razão custo/benefício pende com vantagem para este último.

Diante dos paradoxos com que nos confronta, classificaremos a arte de Machado como utópica, no sentido original que o vocábulo possui na etimologia grega - o lugar que não está em nenhum lugar. Sabedor disso, ele, qual demiurgo original, criou e ocupou um espaço todo próprio, um verdadeiro universo particular, formal e pictórico, conceitual. É nele que agora passa as horas e realiza os trabalhos. E é também nele que ele dá continuidade ao monta e desmonta e ao acende e apaga, à morte e ao renascimento, à transformação. Poucas vezes o cerebral conjugou-se tão docemente com o emocional e o sentimental. E menos vezes ainda um artista transfigurou sua obra, em cada uma de suas peças expostas (fraturas avaliadas e calculadas em experiências controladas), em uma espécie de marca registrada, assinatura inimitável, ou de cartões de visita, virtuais e no entanto funcionais, no sentido de que se nos afiguram como convites para entrarmos nesse seu mundo e nos deixarmos banhar em cor, iluminar.

Íris e arco-íris. Basta encostarmos o branco do olho no ponto branco do infinito para vislumbrar o que Machado nos propõe. E então embarcar na nave, nas tais naves de que falávamos, e seguir viagem rumo ao fascinante desconhecido que é a aventura humana. Para nosso inteiro prazer. Sim, porque o "intervalo" a que ele se refere no título, tanto pode ser o da matemática, aquele aberto ou fechado, à esquerda ou à direita, o dos jogos de armar e desarmar - legopédia -, ou ainda o intervalo entre uma aula e outra, entre uma sessão de cinema e outra, quando tudo é algazarra e festa, pipoca, cigarro e amassos no banheiro. Aqui pode! Ali não! Tira a mão daí! Afinal, sabe ele que, para a maioria dos alunos, esse espaço/tempo, propício para as mais diversas transgressões, é o mais agrofértil da escola. É nele que germinam, se moldam e se fortalecem os sábios e os assassinos.

Estando atentos e receptivos, veremos e estaremos cientes de que, paralelamente ao delirante e lúdico artista, há o estudioso que, metódico, ordena, cataloga, etiqueta e dispõe sobre a imaculada alvura do papel as peças da proposição, os achados que ele trouxe de suas heterodoxas expedições. Tudo como deve ser - cada um com a sua configuração própria e com os seus atributos estritamente essenciais. Nenhuma incisão descuidada para não causar ferimentos desnecessários. A íris vigilante que a tudo supervisiona sabe serem poucas as cores, mas infinitas suas possibilidades. Sua intenção, portanto, não é nos confundir, nada de labirintos; o mundo de Machado é todo feito de cor e luz e, pour cause, de clareza. E música, lógico, razão porque imprime, como se numa pauta de escala monumental, ritmo e cadência, progressiva progressão. Mas ele ainda vai além - sabe que tanto o "eye" (olho) e seu foneticamente igual "I"/eu (narrador) quanto o objeto observado estão ou podem estar onde menos se espera que estejam. É onde um afeta o comportamento do outro, sendo este outro transcendente em relação ao um. Isso, entretanto, por ora, é o que menos importa: A incerteza, a dúvida é dádiva, não punição. É ela que manterá nossa libido acesa.

Fazer o mínimo para comunicar o máximo, não apenas parece, é delicado e frágil, mas o risco é desafio desejado pelo artista que se oferece, e nos oferece, por inteiro. As bolas podem não ter sido arremetidas, mas o furo aqui está, e também ali e acolá! A mágica se operou, a divisão entre o real e o ilusório evanesceu e a tese de (1=n) um intervalo está plena e satisfatoriamente confirmada.

Machado, mais que um artista é um ciberneta de artistas, desses que, estando de posse dos códigos e das permissões, dos protocolos e das diretrizes, os oferecem a quem a isso se dispor, para que sirvam como suportes, com o único se exclusivo intuito de, procedendo à re/engenharia da arte, acrescentar beleza à beleza existente! Mas E com todo conhecimento de causa. Laureatus est! Nunc et tunc!

Rio de Janeiro 2003

©Alexandros Papadopoulos Evremidis = escritor crítico = RioArteCultura.Com = amante (amado - assim espero:) da Arte.


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