"NÃO HÁ COINCIDÊNCIAS", de Margarida Rebelo Pinto / Editora Record
Margarida despetalada - me ama não me ama?
Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Recebida a notícia de que a Record estaria lançando no Brasil um dos livros da escritora portuguesa de maior sucesso nos últimos anos (mais de 500 mil livros vendidos, num país do tamanho de um ovo!), lá fomos conferir. O "lá" era na Livraria Dantes, no Leblon, cuja vitrine estava toda ela decorada com coloridas mantilhas portuguesas e um sem-número de exemplares do livro de título categórico: "Não há coincidências" - Margarida Rebelo Pinto. Na capa, uma figurinha feminina, estilizada e longilínea, aparece do encouraçado peito pra baixo e segura e exibe um celular - sinal dos tempos, dos modos e das modas, do Portugal e do Brasil antenados e globalizados, alienados.

Acostumados ao estereótipo de autor sentado à mesa e fila de espera para autógrafos, estranhamos a ausência. O que lá havia eram grupinhos de adolescentes moderninhos, em pé, bebericando e trocando risos livres, confidências e fofoquinhas. Uma das garotas chama particularmente atenção - parece ter fugido das páginas de algum gibi pós-Olívia Palito, talvez dos Flinstones do futuro. Ela é toda bonitona e fashion, da cabeça aos pés calçados de botinhas de salto - alta, magra, cabelo louro, liso, escorrido e roupas coloridas, à base de verde e vermelho puxado pro rosa ou roxo; de alguma forma lembram as cores de Portugal, pois não?

Será ela? Arriscamos: "Você é Margarida Rebelo Pinto, a escritora?" "Sou eu, sim" - responde a gaja com aquele charmoso sotaque de português que namora o francês, mas dá pro inglês. "Mas você é tão menina?!" A menina suspira fundo, revira os olhos com graça e diz, para nossa profunda decepção, que não somos os primeiros: "Todos dizem isso. Eu pareço, mas não sou tão menina assim. Já vivi um bocado de anos". Ver, ou melhor, ler para crer!

Daí a pouco outra bossa (nova) que por aqui só acontece com a poesia - alguns amigos dela formam uma roda e começam a ler trechos das não coincidências. De fato, a menina é sapeca, espirituosa e saborosa, picante e um bocado desbocada! Quem diria, hein? Os prazeres inesperados são os melhores. Não resistimos aos aplausos que nos assaltaram.

Bem, mas já está na hora de ler o livro pra valer para ver o que nele há de tão especial, a ponto de seduzir os retardatários, mas não ingênuos, portugueses e mais os temperamentais e fogosos espanhóis, os mornos e neutros belgas, os brutos e grossos alemães e os gente boa e doidões holandeses. Não precisamos esperar muito: logo no primeiro parágrafo há três pistas dorsais e seminais - diz Vera, alter ego de Margarida, que sua vida é uma constante de pequenos malabarismos improvisados que a abastecem de tempo para tudo tão corrido; e diz também ser sócia de uma agência de publicidade de "vão de escada" (quase do tipo daquele escritório do detetive Ed Morte e suas baratas, do Veríssimo) e ainda dona de uma empresa de plantas artificiais chamada "Jardim sem Regador". É mole ou quer mais? Temos certeza que vai querer mais, muito mais, tudinho e até o fim. De cabo a rabo.

A primeira pista nos dá a tônica da narrativa - pujante e pulsante; rápida, quase eletrônica; malabaristicamente pula de um assunto para outro, de um personagem para o contraponto e assim em diante. Frases curtas e cheias de vida e vivacidade, dinâmica a toda prova e a todo custo. Pode-se perder a vida, mas não o tempo. Essa agilidade é obviamente estimulante e sedutora até para os mais preguiçosos leitores que assim estão a salvo de pegar no sono no meio de.

A segunda pista nos diz da ambientação do romance - é o mundo chique, rico e fashion de Lisboa e Porto, dois pólos de atração que, apesar de visceralmente distintos, estão cabal e completamente inseridos no global american way of live and let die. Bancos da moda (isso existe?), restaurantes da moda, perfumes da moda, fatos/ternos da moda, gravatas, calcinhas e camisinhas, tudo le dernier cri. Afinal para que serve sua agência de publicidade? Não é para vender rapadura (ainda!), pois não?

A terceira nos dá o tal toque de humor, que permeia toda a narrativa e lhe confere sabor inigualável com suas tiradas que, ora finas ora escrachadas, são sempre bem boladas. Quer coisa mais deliciosa do que jardim sem regador? Mas é bom não esquecer de comprar também espanador, hein, Vera? Em resumo resumido, tudo é como se fosse uma série de piadas de português sobre português. Os palavrões também rolam soltos e emprestam tempero bem temperado, embora por vezes gratuito e exagerado.

A espinha dorsal do livro, entretanto, é uma crônica do amor que aí não cabe dizer ser português já que questão humana fundamental e universal. Numa espécie de fatídicos desencontros Fulano ama Beltrana que por sua vez ama o Cicrano, a Cicrana, o João e a Joana. Margarida parece ter feito mestrado e doutorado no assunto pois domina as nuances amorosas e as inúmeras pequenas e grandes perversidades, os ciúmes, as traições, as intrigas. O desamor. Pior que, no fundo, inclusive ela própria, todos sonham com aquilo que desprezam - uma vida pacata, um amor e uma família, filhos, cachorros, gatos e periquitos e periquitas brasileiros. Deus castiga os que ama? De todos os personagens de Margarida não sobra um pra nos contar o happy end - "não há final feliz" é uma das suas terríveis afirmações e a morte ecoa e aplaude. Os casamentos são todos artificiais e de conveniência - permanecem por causa dos miúdos/putos/crianças.

A destacar ainda como ponto de atração e mérito, além da linguagem perfeita e acabada, fluente e cristalina, o macete, tão raro na literatura mundial, que é o de subitamente mudar de narrador dando assim voz e chance (o direito de resposta?) para que os personagens possam se defender ou atacar, ou simplesmente se explicar. Houve um gênio, Lawrence Durell, que levou esse achado ao ápice narrando a história do amor em Alexandria pela boca de 4 de seus personagens, no imortal Quarteto. Agora com Margarida Rebelo Pinto temos o quinteto de Lisboa, a boa.

Rio de Janeiro 2003

Alexandros Papadopoulos Evremidis = > escritor crítico > Email


Para adquirir obras de arte, basta enviar Email - será encaminhado ao próprio artista ou ao seu galerista/marchand.

Artista, Escritor e +: ASSINE o RIOART e mostre suas criações aos qualificados leitores do Jornal e da Newsletter/InformArt enviada p/ jornalistas, galeristas, marchands, colecionadores, arquitetos, decoradores, críticos, editores, livreiros, leitores, produtores culturais, aficionados e afins: Email + 21 2275-8563 + 9208-6225


©Alexandros Papadopoulos Evremidis = escritor crítico > Email
Retornar ao Portal