| Luciana Rennó | Fosse nos dado o direito a apenas um termo para dizer do trabalho de Luciana Rennó e forçosamente a escolha recairia sobre a palavra "Paixão". Mas então por que o binômio do título deste comentário? - perguntará alguém desavisado. Porque é inconcebível paixão sem movimento, sem drama, que em grego clássico significa ação pura e simples, a agitação que salta aos olhos nas criações em questão. Fica assim estabelecido que não houve transgressão da regra do jogo, apenas, "movimento" entrou como corolário, mais, como atributo das paixões de Luciana, em constante e subreptícia ebulição, ou, mais apropriadamente, iminente erupção, que finalmente se processa e conduz à apaziguadora catársis. E nesse sentido pode-se sem margem de contradição e erro afirmar que a criatividade de Luciana é assustadoramente dramática e eminentemente sensual - vistas as oníricas águas revoltas e psicanalíticas que sugere.
Paixão e/em movimento!©Alexandros Papadopoulos Evremidis*
E como é que Luciana realiza essa paixão e como é que esta se manifesta? Seu suporte incial é a tela preparada. E sobre esse suporte, ela usa um segundo suporte: a água, o mar, o oceano - elementos altamente caóticos, informes e igualmente maleáveis, volúveis e voláteis, que tomam a forma do recipiente e, estado de repouso e quietude, ostentam superfícies lisas. No instante exato, entretanto, de alguma intevenção externa, surge a convulsão em suas variadas e significativas formas. E é aí que Luciana, como que possuída por insondáveis signos arquetípicos, entra em ação e opera a transmigração - servindo-se do vento, ou de uma irradiação irresistível qualquer, como extensão do seu pincel, da sua mão, do braço e da mente em seu âmago mais recôndito e inconsciente, ela desenha, pinta, esculpe, colore (e com que delicateza colore!) - não aleatoriamente, como à primeira vista pode parecer, mas sob o domínimo da inteligência emocional e dentro dos preceitos de uma experiência controlada. E aí emerge a insinuação da flor, seja feita de água, ou de vento, lapidada pelo próprio vento-ferramenta - e o que é flor senão uma explosão de cor?; o cintilar dos fogos de artifício; a explosão vulcâmica; e, numa escala monumental, a cósmica, o Big Bang particular, personalizado e intransferivel de Luciana! A sua gênese! Tudo em tons transparentes e sobrepostos de azul ou verde dramáticos, aqui e ali iluminados pelo branco, já que o movimento é termodinâmico e gerador de energia que por sua vez é luz; e ainda algumas "manchas" vermelhas ou avermelhadas sinalizado o calor e fogo da paixão em eclosão.
Mas Luciana não se restringe aos planos e densidades aquáticas e marinhas, que, repetimos, também podem, e sugerem, ser incomensuráveis porções do espaço sideral - daí a tal monumentalidade a que, impressionados, nos referimos. Ela também mergulha em suas profundezas abissais e busca a cor e a mínima textura da pérola e de seu invôlucro, a madrepérola; e ainda, com o vento seguro nas mãos, levanta vôo e sai a perscrutar as configurações da matéria lunar, marcial, netuniana, cósmica, revelando-lhes o volume, a cor, o tecido e a urdidura íntima - toda ela composta de simbologia mítica. Se o azul é triste, Luciana o transmutou para uma nostalgia atávica. E como nostalgia é a dor da saudade pela casa primeira - o referencial é o líquido amniótico e, lá mais atrás (ou adiante), o grande útero marinho onde os peixes vivem uns dentro dos outros. Em paz? Não há paz na natureza como não há paz na alma do artista. Nós é que queremos ordená-lo. Et sic transit...
Rio de Janeiro 2003
©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email
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