"112 Dominós" – Pintura e objeto - , de José Patrício.
Estratégias dominantes©Alexandros Papadopoulos Evremidis*
- E agora, José, - brinco com o Patrício pernambucano - já conseguiu virar sócio da fábrica de pecinhas de dominó? Pergunto porque a julgar pela desmesurada quantidade do material ...
- Nada, quem dera! - José, sensível como todo artista, enrubesce. - Eu simplesmente encomendo peças.Encomenda só, não! Encomenda e, despudoradamente, se apropria do design de algum passado anônimo, mas não da idéia do lúdico, por ele transliterada para o artístico, que é relativamente simplória e cotidiana, linear, ainda quando em meandros, um passatempo de banco de pracinha ou de portaria de edifício residencial. Mais para pleonástica sorte aleatória do que para sinapses inventivas. Ainda assim, divertido componente de nossas memórias afetivas sempre.
Até aí nada demais - a própria civilização é resultante de sucessivas apropriações. Sim, porque o conhecimento, de que aquela se nutre, é uma construção cúbica; modular, portanto, e, mais, medular. Horizontalmente, percorre e se inscreve na infinita linha temporal, infiltrado que está nos interstícios dos números reais; verticalizado, vai fundo e tange o celeste, para deixar o divino de fora; superada a superficialidade, nos arrasta para a terceira dimensão - a exploração dos espaços possíveis.
José Patrício, é dele que estamos falando. Detentor de uma mente ardente e obsessiva, poderoso ciberneta de pesquisas estratégicas. Trama, conspira, arma e sistema e matematicamente organiza suas falanges em torno de um buraco que tanto pode ser freudiano, como negro, uma luz no fim do túnel ou ainda o expansivo visor de potente telescópio para perscrutar o além do visível - a arte.A tática é binária, certamente inspirada nos "Companheiros Tebanos", raiz e matriz de sua força complementar - no caso, similar atraído por similar e a ele justaposto - uma homenagem aos homenageados de Josef Albers que amava Kasimir Malevich. Toda tentativa e erro boleano de seus assistentes deságua em acerto para José Patrício. Isso, porque não imaginamos o artista se debruçando diuturna e estupidamente sobre o chão/suporte de seus delírios anacrônicos. Há quem faça isso por ele - ele é Prometeu, o Fornecedor, que roubou os protocolos e os códigos, os sintagmas secretos da morada dos imortais e com eles nos presenteou, na forma desse jogo maior que chamamos arte e que confere alguma graça ao terror existencial em que submersos nos encontramos. José Patrício, não fosse mestre-de-obras e geômetra inventor, seria poeta lírico a nos dizer da ordenação do caos primordial e a um tempo final, já que nele implícito está o gérmen da simbologia do chamado "efeito dominó" - a catalisada derrubada em cadeia de nossas frágeis estruturas e fundamentos - silogismos retóricos e desprovidos de veracidade, a destruição.
Falando em fragilidade, lembro ter visto recentemente sua instalação de dominós no chão do Paço Imperial e a compulsiva atração que senti de passear sobre ela - tão firme e coesa e segura e sólida e concreta e convidativa me pareceu, um tapete voador, prenhe de encantadora magia que me seduziu e me possuiu. Mas não, e não foi a possibilidade da ruína que meu ato causaria que me deteve - iconoclastia não falta; foi o severo olhar do vigia da sala. Disfarcei, rodeei e nos convenientes e inevitáveis cochilos do Cérbero chutei algumas pecinhas extremas. A mínima desestabilização provocou arrepiantes arrepios em mim e também na obra, que por instantes me pareceu ter se desorgazinado toda; na verdade oculta, a idéia foi a da insinuação do estupro perpetrado por Adão e do desabamento da Torre Biblica, com as conseqüentes noções de culpa e pecado, crime e castigo - coisas de que o projeto estético, sem dúvida um projeto!, de José Patrício passa ao largo. A arte, tal qual a ciência, é amoral e agnóstica - sendo este binômio a razão e o motor de sua perseverança e de sua permanência - de seu método progressivo.
Suponho que por razões práticas e pragmáticas, talvez até de sobrevivência física, embora artísticas - de pesquisa e de experimentação e de variações do tema - não lhe faltassem, José Patrício minimizou suas magnificentes instalações que por óbvio exigem um tratamento site specific e, fixando-as sobre suportes variados, verticalizou-as - dependurou-as nas paredes, como se tradicionais quadros fossem, tanto assim que até as pintou ou usou pecinhas pintadas, tanto faz (o que não "tanto faz" é a escolha meticulosamente proprietária e personalizada, feliz!), com cores alelas -, apostando com isso na expansão, na reticência e no recuo de suas máscaras.
Perdeu, sacrificou, está certo, a dinâmica inerente, a subjacente e ainda a adquirida pela exaustivamente repetitiva multiplicidade, mas ganhou em impacto visual e em ilusões óticas, digamos, em planos transversos sobre que planar e exercitar sua rítmica respiratória, sua sutílima vibração. E ainda, desviando dos quadros - todos aos sintomáticos pares das dípticas pecinhas de dominó -, com a implantação de trechos de fios metálicos, revestidos como os das "telas" ou nus como os dos "objetos" de chão, sobre o moto contínuo do suporte dominó, criou obras espiraladas de piso - ao modo de desafiantes capachos, de texturas agressivas, mas altamente significativas, já que, retomando a movimentação com sentido e direção, nos remetem a gigantescos campos eletromagnéticos, a distantes sistemas solares e galáxias, ao turbilhão de nossas emoções descontroladas.
José Patrício vai nos dar muito trabalho.
Rio de Janeiro 2004
©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email
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