"Projeto Guggenheim", de Jean Nouvel.
"Guggenheim Rio: Arte e Fome - a desfeita promiscuidade perfeita!"

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Guggenheim no Rio será um mar de arte, um marco alto como o Salvador que nada salva e o Pão de Açúcar que ironicamente não sacia a fome de quem a sente, já que o povo quer pão, não brioches, como erroneamente "cria" a Maria Tuninha. E tal qual o Pão/Salvador, o Guggenheim será visto do alto de e por todas as inumeráveis e crescentes e deprimentes favelas desta cidade maravilhosa que deixa qualquer outra invejosa, o que não é pouca prosa! viu dona rosa?


Não entrarei ainda na polêmica por ainda não ter tido oportunidade de analisar em profundidade o projeto e o conseqüente custo/benefício pragmático, mas em entrevista recente com Jean Nouvel fiquei sabendo que mais do que um museu, ele arquitetou toda uma cidade artística absolutamente integrada a esta rara e privilegiada existência humana chamada carioca. Tebas perde.

Jean Nouvel me pareceu ser nosso cúmplice - alguém que tivesse sempre aqui vivido e aqui sofrido as vicissitudes, a corrupção, a miséria, o crime, a guerra diária, a bala perdida aqui e (no ato) enfiada/alojada/achada ali - no coração das preferenciais infâncias e das adolescências - tal a percepção íntima das particularidades, dos vícios, do atoleiro sujo em que vivemos, das favelas, da fome, da carência e da insana felicidade em que "malgré tout" estamos mergulhados e vivemos e sentimos e deliramos. Ah, Nise, você não sabia que o nosocómio aqui é a céu aberto!? Que somos todos artistas autistas?!

Perguntado sobre a bizantina discussão, Jean Nouvel não fez corpo mole, nem tirou o cu da reta, disse simplesmente que ele estava tão absorvido pela arte que não pode atentar à vida. Isso faz sentido? Ou se deve à baixaria da esfinge enigmática por oportunista? Não, não, diz ele, ele entende perfeitamente e se sente tão impotente como qualquer um de nós, apenas um cidadão passivo e co-adjuvante dessa máquina mortífera chamada sociedade do espetacular espetáculo, em nome da qual se faz até guerras de cirúrgica pirotecnia para o mundo ver e admirar e se divertir com a vitória do bem sobre o mal, a recíproca sendo absolutamente + verdadeira! Et sic transit? É ruim, hein! Estamos mais é nos arrastando. E pior que não sobre corpos vivos, como seria delícia desejável, mas sobre defuntos em "adiantado estado de decomposição", ou seja, putrefatos!

Jean Nouvel, fechado em seu casulo de dimensões monumentais e que não casualmente se chama Guggenheim, mais parece um Michelangelo trancado na Sistina, por aquele papa insanamente guerreiro, prisioneiro do pão e da água, para aprender o que é bom pra tosse ocasionada pelas tintas que o intoxicavam e que ainda assim o obrigaram a entrar nos oitenta - acha que foi um prêmio ou outra punição? Fez obras-primas? Fez, fez um Cristo brutamontes - vingativo, brutal e rancoroso - que, em pleno Juízo, perde o juízo e condena e atira impiedosamente os infelizes (o papa e nós) à eterna danação dos eternos fogos dos infernos. Jean Nouvel também fez obras-primas! E esse seu projeto Guggenheim, entre tantos outros que ele nos mostrou e enumerou, prova que ele é um artista sensível, isso ninguém tira. É também simpático, acolhedor, intimista, acessível, sedutor como um urso amigo. Um faraônico egípcio. A cabeça dele parece uma abóbora gigante, mas sua mente não está aboborizada. A semente é boa e saborosa. Dará mais frutos ainda que furtos.

Rio de Janeiro 2003

Alexandros Papadopoulos Evremidis = > escritor crítico > Email


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