| "Henry Moore – Uma retrospectiva - Brasil 2005" |

"Harmonia e Balanço - artista completo"

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Henry Moore, c. 1942 Henry_Moore
Fotos tive várias à minha escolha, que o retratam como artista, que ele superlativamente é, mas quero dizer, como esses de cinema ou, quem sabe, um bonitão de novelas brasileiras. Escolhi esta ao lado por melhor caracterizá-lo. Olhe bem para ela e para ele! Não lhe parece um trabalhador? Um sapateiro, um paneleiro, um oleiro, um smith, um ouriverseiro? É isso que Moore é - um trabalhador, sobretudo incansável. Não é bobo, nem nunca será (muito menos lá onde ele agora está - no Pantheón). Repare no cenho franzido de quem nos quer trespassar, no olhar arguto, penetrante, obsessivo, ciente e consciente do seu fazer e principalmente do seu saber "a que veio". Veio nos dizer algo que, de tão óbvio, nós não enxerga(va)mos. Agora, tudo parece fazer (e faz) sentido.

Menino, queria ser escultor, mas a família o queria professor [que acabou sendo (mestre!) em mais de um sentido].

Nas primeiras esculturas, absolutamente encantadoras e sedutoras, inspiradas nas artes africana e pré-colombiana, ele respeita a realidade do material, seja ele pedra ou madeira, em toda a sua elementar simplicidade, com sua textura, manchas, ranhuras, nódoas, falhas. Não o violenta, o ama, e com mínimas intervenções dele faz surgirem primitivas figuras arredias às imposições acadêmicas, com plena liberdade formal e atributos reduzidos ao básico. Em compensação, prenhes de expressiva significação.

Na pedra, leva em conta o caráter monolítico, o peso, a imobilidade, o plano reclinado. Ma madeira, o formato cilíndrico, a verticalidade, a organicidade.

Maduro, sente necessidade de formas de maior variedade e complexidade. Investiga e transfere o foco para a relação espacial entre sólidos e através deles - ora completamente fragmentados e ora arejados, vazados, quase penetráveis mesmo e, daí, irresistivelmente convidativos - lúdica interação!

Adiante, dota, por vezes, suas criações com linhas paralelas de cordas e fios esticados, com eles definindo inusitados planos no espaço, que contracenam e contrastam com o arredondado das peças-suportes - quase modelos matemáticos. Como mais-valia - a parabólica reminiscência da rítmica musicalidade. Não por acaso, a afinidade com a suprema Barbara Hepworth "Pelagos".

Em dado momento, deixa-se seduzir por Brancusi, pelo Surrealismo, por Lipchitz, por "objetos (perdidos?) achados", descartes calcários da natureza. Cede à abstração, domina e potencializa-a magistralmente, mas, mantendo-se no estreito e rigoroso limite da configuração necessária do inteligível, não permite que ela lhe subtraia a naturalidade e a vitalidade - propriedades dorsais de suas robustas e a um tempo delicadas e refinadas criações.

Dado, e nisso tem parte o histórico de certa odisséia, a dimensões heróicas, peregrino homem do ar livre e da luminosidade abundante que foi, prepara sua matéria em pequenos volumes e maquetes, no sintomático colo (que permeia toda a sua criação) (torne a olhar a tal foto), manipula e manuseia-o tactil e amorosamente, para depois permitir que se escale e se agigante e, ele mesmo um gigante, se supere e monumentalize. A par, irrequieto e fascinado pela intimidade dos invólucros, pesquisa as formas exterior e interior, não como uma sendo o negativo da outra, mas o envoltório de algo oculto e misterioso, o Kern - a metáfora do útero, do parto, da criação biológica e da artística, do ser animado e do inanimado existir.

As mulheres, presentes de ponta a ponta em toda a sua vasta produção, são formal e essencialmente equiparadas, melhor, identificadas com a própria natureza, a paisagem com seus acidentes e incidentes, atraentes e significativas saliências e cálidas, úmidas e receptivas reentrâncias. É dessa candente percepção que Moore faz a linha nuclear de sua paixão que resulta no triunfo final e apoteótico de Afrodite, da sensualidade e da voluptuosidade mesmo, que suas formas femininas, apesar e por causa de toda serenidade e de toda quietude e silêncio, exibem e exalam. Sutilmente trajadas, não paradoxalmente, são diáfanas, reveladoras. Acolhedoras e aconchegantes. Posso sem pudores afirmar que a obra de Moore é mais que simplesmente sensual - é inflamada de tão erótica. E ele nem tropical era!

Reclinadas, de costas, elas são Dânaes à espera de Z(D)eus que, transfigurando-se em chuva de ouro, virá em forma de feixes luminosos penetrar, fertilizar e fecundá-las. Logo florescerão e darão frutos. É sem dúvida essa a propriedade que faz com que essas suas/nossas mulheres sejam figuras plenas de tocante e excitante expectativa e desejo - não importa se solitárias contemplativas do ápeiron; se com crianças no colo, entregues à cândida, de tão afetiva, maternidade; se formando grupos com homens; e famílias, com estes e aquelas. Sempre celulares e medulares, povoam e ocupam, dominam e subjugam nosso imaginário, remexem vigorosamente nos subterrâneos da matriz da nossa memória afetiva e do nosso inconsciente caótico.

Os homens de Moore cumprem o propósito e contrapontuam razoavelmente com suas complementares. Entretanto, enquanto solitários guerreiros, são tristes figuras, avassaladoramente dramáticas, eventualmente anti-heróicas. Há um que me deixou totalmente desconcertado, deprimido mesmo - mais que reclinado, ele me pareceu derrubado, alquebrado, derrotado, uma ruína, que com seu olho, o direito, vazado e escorrendo sangue em abundância, banhando-lhe as inexistentes e de qualquer modo inúteis barbas, em trágico desespero clamava por piedade e clemência - a redenção das trevas. Não houve escudo, embora um lá estivesse, que pudesse protegê-lo (escudo imaterial talvez o resguardasse, sinaliza o histórico da convicção). É o silencioso e plástico e visual grito de Moore nos dizendo da estupidez das guerras (de que ele foi vítima, e admiravelmente prestou testemunho com as obras dos subterrâneos do metrô) e das conseqüentes matanças, do nonsense da selvageria humana. É uma obra emblemática e paradigmática de forte impacto emocional e intelectual. Tendo ele conduzido sua vida por trilhas luminosas, está mais que categorizado para nos alertar e disso nos dizer.

Mais que tudo, porém, e além de toda fenomenologia, há algo de hierático em todas as obras de Moore, algo que as qualifica como totêmicas, sinais e marcos primordiais e arquetípicos, intervenções primais na paisagem, no Kosmos. Para tentar apreender e capturar-lhes o sentido, é preciso dar três compassadas voltas ao redor delas (afinal, em sua maioria, são esculturas all around e free standing) e depois se prostrar e meditar sobre o que é humano e o que é divino, o que nos une e o que nos separa, distingue e diferencia dos irracionais (se é que). E então tudo ficará claro e límpido, harmônico e equilibrado, simétrico, apesar, e pour cause!, de toda assimetria.

Raras vezes um artista ("Giaco", talvez, e Picasso, com certeza), produziu tanto e tanto, com sua obra, circunscreveu a alma e a arte do seu tempo. Sinto-me autorizado a dizer que não será desvio para o mithos dizer ser Henry Moore epígono da raça dos titãs e dos gigantes, na força e no tamanho, e dos seus sucessores, os olímpicos Hefaistos e Hermes, no labor do material e no trânsito das idéias e das ideologias, na comunicação, na excelência do ser zóon politicón. Qual novo Prometeu, o artista aos deuses subtraiu as senhas, os códigos e as permissões da criação e as doou aos mortais humanos para com eles, o medo da morte vencendo, também eles imortais se tornarem. "Laureatus est!" - jubiloso, Apolo exclamou, exultando, e exaltando e coroando-o.

Rio de Janeiro - 2005


LH 596 - Oval com pontas, 1968-1970, bronze altura: 332cm, coleção The Henry Moore Foundation: doação do artista, 1977 Oval_com_pontas

LH 706 - Figura reclinada, com panejamento, 1978, mármore travertino, comprimento: 182cm, coleção The Henry Moore Foundation: aquisição, 1986


Obs.: Os trabalhos ilustrados nesta página foram reproduzidos com a autorização da Henry Moore Foundation. Para alterarmos qualquer imagem precisamos solicitar antecipadamente o consentimento da Henry Moore Foundation

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > E-mail


Para adquirir obras de arte, basta enviar Email - será encaminhado ao próprio artista ou ao seu galerista/marchand.

Artista, Escritor e +: ASSINE o RIOART e mostre suas criações aos qualificados leitores do Jornal e da Newsletter/InformArt enviada p/ jornalistas, galeristas, marchands, colecionadores, arquitetos, decoradores, críticos, editores, livreiros, leitores, produtores culturais, aficionados e afins: Email + 21 2275-8563 + 9208-6225


©Alexandros Papadopoulos Evremidis = escritor crítico > Email
Retornar ao Portal