| Gabriela Machado - Pinturas recentes |

:( "Agonia e êxtase" :)

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Pintura_de_Gabriela Foi sempre assim. Artistas (e obras) há que me subtraem a paz e o sono (exatamente como agora madrugada insone me revirando e delirando na cama - síndrome Stendhal ameaçando sanidade mental). Sei - dormir não poderei até que profira o exorcismo: kathárisis.

Isso, para dizer ela não ser ser humano - ser demônio. Não, é dáimon de acepção e ascendência helênica - um pequeno deus de pequenas causas coisas, que a cada um de nós habita. Lembro, como se agora fosse, da nossa primeira vez. Foi no ccbb e, no que vi, estremeci. Senti calafrios e arrepios diante dos imensos e violentos grafismos e a um tempo absolutamente mínimos, despretenciosos. Não fosse aquele monocrômico vermelho sangrar chorar esvair escorrer e desfazer(-se). Sangue caligráfico em abundância, sobre o níveo imaculado suporte papel.

Por instantes imaginei-a como Zorro, guerreiro romano ou quixotesco samurai, esgrimindo com o branco vazio da existência e nele gravando os códigos e as senhas com a ponta partida de sua ensangüentada espada - golpes únicos certeiros monotípicos. Com seu próprio sangue a jorrar por meio daquela extensão. Ser no nada. Vir a ser.

Em transe, me imaginei saltando e me dependurando naquele mega lustre (há um ali?) dependurado do ápice da rotunda de que dependuradas havia tiras de mais do mais puro papel branco macio suave sedoso perfumado higienizado higiênico. Propriedades orgiásticas e apolíneas - estas, plásticas; aquelas, escatológicas, mas ali? Como delas fazer uso sem abuso?! Sem eu acuso e eu m'escuso com o álibi da arte?!

Corta: o quê, uns dois anos transcorridos sem que em mim o drama desbotasse e em paz me relegasse. Agora, aí veio ela de novo perturbar os círculos.

No enfrentamento dessas suas novas pinturas, parece ter feito conluio e se amasiado com outras cores e sedimentado e cristalizado sua preciosidade(.) Sob forte e imediato impacto, imaginei-a, não mais como um samu, mas como uma insólita bisnaga animada contendo o espectro cromático e crendo ser, e sendo: bailarina, não clássica, de rigor coreográfico e marcante marcação, de ponta e tchu-tchu a pirueta, mas contemporânea, descalça, arqueada e espiralada, esvoaçando, arrastando sua paixão e, a cada gesto e passada, diante do precipício, tendo que saltar e afundar e se espatifar, desmiolar, ou saltar e voar e inventar o movimento seguinte abrindo insuspeitos caminhos onde antes nada havia, salvo o inconcebível nada.

Não: é uma street dancer que, impelida por aquele tal dáimon, sincopada, anda, canta, soa e dança, patina, surfa, tropeça, cai e performa, fincando, não a ponta do pé, mas uma mão no chão e em fúria, qual mênade, rodopia, enquanto com a outra se espreme e pinta e borda e subitamente se funde e nos confunde, deita e rola, chafurda na lama tinta (com) que pinta. Se novela e desnovela, se emaranha, mas não perde o fio que sabe lhe será funcional na travessia dos soturnos noturnos corredores para ao final engenheirar as asas com que alçará vôo rumo ao epíreo de cuja ascendência descende - o informe Chaos: espaço aberto, prenhe de possibilidades, à espera do ordenador Eros - elemento sindético.

E se nada disso for? e for apenas um vendaval, uma tempestade tropical, um ciclone, um furacão cujo olho é ela mesma (não a vê?), controlada e desvairadamente comandando e pintando as direções e os sentidos e por eles se deixando levar às destruições e as desconstruções que se resolvem em outras tantas formações informais e cromáticas. Sabe ela ser o conhecimento, como o nascer, um evento dolorido e doloroso, contudo, não punitivo. Razão porque anseia por transgressões e insubmissões, motins e revoltas, conspirações e subversões. Selou/trocou aliança/s com Prometeu, Sísifo, Tântalo.

Armado com um prego, um martelo e uma coroa de louros, fui até o atelier da artista, preguei o prego na porta, nele pendurei a coroa e, em seu significativo espaço interior, gravei com luz: Panepistímio de Artes Gabriela Machado (foi com este último que ela cortou/desatou o seu górdio cordão umbilical, livrando-se de tudo que seminal não fosse. Um dia, todos desejarão amá-la.

Rio de Janeiro – Junho - 2005

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email


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