| Franz Ackermann - Árvores douradas |
Cosmic dancer = Cosmic danger©Alexandros Papadopoulos É*
Primeiros erros, insanas impressões: Ao lançar, ávido, o olhar sobre a pintura de Ackermann, superdimensionei o tema e senti alto e imediato impacto. Perturbadoras perturbações. Criações dinâmicas, contendo áreas, ilhas: aqui e ali, rigorosamente traçadas e delimitadas em tri-geometria, definida e ordenada, mas também instável e insólita, em tensão, sem intervalo, concorrem para a aniquilação; ali e acolá, abstrações de livre e abundante derrame de tintas; quase não há espaço de passagem e transição, nenhum amálgama. Pensei, então, ter vislumbrado em meio ao proposto caos reinante colisões de escala planetária - mundos se entrechocando violentamente e se resolvendo em tumulto, desordem, subversão, terrorismo, destrutiva Verstöruns/Zerstörung, um (Dooms)day after, universal e irreversível!
Mas espere, não é só isso. Há aqui elementos reconhecíveis de feição arquitetural, aglomerados urbanos, paisagens, objetos cotidianos, tubos e fiações carbonizados nos remetendo às galhadas do outro Franz, o Krajberg, sacerdote de Artémis. E há também alguma maquinária, parafernália tecnológica, hi-tec, eventualmente até figurinhas de depressão, degradadas e deletérias, que sinalizam não estarmos no espaço sideral, mas aqui perto, na verdade, aqui mesmo. Humana Terra. Trópicos? Amazônia? Podendo ser (e foi) em qualquer lugar, hesito confirmar o que o artista (e/ou seu avalista, Hug) afirma, e logo saberemos por quê.
O fato é que, em qualquer das hipóteses, há algo de terrível em curso, um confronto entre olímpicos e titãs, secundados pelas primordiais forças da natureza. Ou, quem sabe, um armagedón, uma incursão suicida às torres germanas. Uma fenomenal catástrofe natural - você ainda mantém armazenadas e vivas as imagens do recente tsunami desencadeado tectonicamente no cinturão sísmico do eufemista Pacífico? Consegue rememorar e sobretudo re/vivenciar as gigantescas águas, monstruosos ecatónquiros, Godzilas avançando e se esparramando, se espraiando, atirando coisas e seres uns contra os outros e varrendo do mapa as marcas e os sinais, os naturais acidentes geográficos e os da humana fatura e intervenção? Viu como ele semeou a discórdia e a conseqüente destruição, reduzindo as coisas a outras e os animados em inanimados?
Sim, mas há um decisório diferencial entre o tsunami tsunami e o tsunami Ackermann - lá estavam em ação a ação e a reação causativas das forças cegas das estruturais placas em acomodação ao terreno a desencadear o fatal repuxo/refluxo. Já na pintura de Ackermann, Ackermann explicita - o operador da ópera bufa é o bufo homem que, não contente em ser homo homini lupus, quer também depredar o que nos mantém vivos (morreremos do nosso próprio veneno, insinua ele). Queimadas, desmatamentos, inundações, poluição, aquecimento global, o diabo a 4, são seu Hintergrund e estão lá infiltrados, representados, consubstanciados. Vê-se logo que os líquidos de Ackermann não são incolores salobras águas - são dejetos industriais, resíduos químicos, metais pesados, fogueiras - tudo discriminado por cores: verde-cloro, amarelo-enxofre, chumbo-cinza, roxo, violeta, vermelho-chama - voraz a devorar. E são incendiados ou derramados, despejados por megatonéis em espetacular enxurrada. Ora estagnam e ora fluem zerozerando devastadoramente o que sobrou da civilização.
Subitamente, em meio à precipitação cataclísmica, um farol, inclinado e desarraigado, boiando. Desfuncionalizado e re/funcionalizado - aviso, alerta, ameaça, bomba-relógio em alucinada regressiva contagem. Foi então que, para mim, tudo ficou claro como o claro dia desta pândemos cidade do Rio de Janeiro, espremida (espremida, foi ontem; hoje, ela já subiu pelas paredes) entre o mar e a montanha - mas que montanha se montanhas não mais há?! Não vê como ela está sendo desnudada e estuprada, desertificada e esterilizada? Ackermann viu. E veio de longe nos dizer o que estamos cansados de saber - o concreto desaloja, empurra e acossa e expulsa os miseráveis desprovidos de teto, que vão trepando e ocupando e degradando os morros. Nós apenas assistimos, ufanamos e estoicamente, nada heroicamente, esperamos. Après moi le deluge?! Pois que venha - será devidamente escatofagado.
Segundos erros. Dúvidas e dívidas. Aí pelas tantas, aproximei a vista cansada à etiqueta para conhecer o título da pintura e exultante li "Cosmic danger". Mas não, pairando dúvida, sacudi a cabeça, tornei a olhar e me senti destronado - era "Cosmic dancer". Não vencido, atribuí o fato, não à insuficiência visual, mas a ter ficado impressionado e sugestionado pelo cenário. O que vinha ser aquilo? Imaginei poesias - diz que Ackermann viaja muito pelo mundo e faz anotações, esboços, desenhos de tudo quanto humanum est. Dança ele, então, o Canto do Cisne?! Ou é um distanciado cronista dos eventos terrenos?!
Tudo somado, avaliado e dividido (para ser multiplicado), ao final do drama que ali se desenrolava, algo insurgiu-se em mim - apesar das já presentes pureza e luminosidade, seu esquema de cores ainda assim se nos afigura contido e domado. Desejei ardentemente que ali houvesse um quê mais de calor, desse elemento abrasivo em que nós somos cozidos e dele feitos. Terá sido isso opção consciente ou ele teve apenas uma idéia, mas não uma Erlebnis autêntica (como em justo excesso seus ancestrais alemães da expresão a tiveram?! Não se faz mais alemães como antigamente?!) Ou teria ele, qual Gauguin, quando aqui, abominado a escaldante diluição e desmaterialização?! Quero em suma dizer que sua estética cromática, meticulosamente calculada e elaborada, age um tanto quanto cerebral - nos leva à reflexão, não à comoção, lágrimas, nem pensar. Para um tema tão passional e candente, está ausente a incandescência da paixão, aquela irrefreável sensualidade de que os infernos tropicais estão repletos e que mesmo na hora da morte se manifesta. Ackermann nos excita, mas não nos faz gozar. Fique claro, porém: nada disso lhe subtrai valor, apenas o situa setorialmente na zona temperada.
Gancho. Sim, insólito por insólito. Gancho para engatar a Dora Longo Bahia que, ali do ladinho, funciona como poderoso contraponto e divisor. O que falta num, sobra no outro, sendo a recíproca verdadeira. Ali, pesquisa, elaboração, maturidade; aqui, improvisação, espontaneidade, tesão. Opção ou obrigação? Sem gato, caça com rato? Delirei com Dora possuída por um incontrolável ímpetus. E fantasiei: ela desmontou seu favelístico barraco, todo órfico e orgiástico, pintado/grafitado por dentro e por fora, e pendurou as quatro paredes de tapume e papelão na galeria. De mais-valia, se pôs a tocar na guitarra sutis evoluções de monocórdia roqueria e pôs a vibrar deuses e diabos. Um som paroxísmico. Arte póvera?! Não, o clichê é que é póvero - arte feita de pó e, daí, vera. Veramente verdadeira! E vice-versa, com todo verso.
Vai nos dar muito trabalho essa moça com jeito de ursa (maior).
Rio de Janeiro - Fevereiro - 2006
©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email
Para adquirir obras de arte, basta enviar Email - será encaminhado ao próprio artista ou ao seu galerista/marchand. Artista, Escritor e +: ASSINE o RIOART e mostre suas criações aos qualificados leitores do Jornal e da Newsletter/InformArt enviada p/ jornalistas, galeristas, marchands, colecionadores, arquitetos, decoradores, críticos, editores, livreiros, leitores, produtores culturais, aficionados e afins: Email + 21 2275-8563 + 9208-6225
©Alexandros Papadopoulos Evremidis = escritor crítico > Email
Retornar ao Portal