"O BUDISMO NO BRASIL" / Frank Usarski (org) / Editora Lorosae

A obra organizada pelo Prof. Dr. Frank Usarski reuniu um significativo material da análise e de pesquisa acerca do Budismo no Brasil. O conteúdo elaborado pelo professor do Programa de Pós-Graduação da PUC-SP conjuga informação e reflexão acadêmica no campo das ciências sociais, contribuição fundamental para o estudo das religiões no Brasil hoje. Tem-se como resultado a clareza metodológica aliada a um rico material de pesquisa. Em seu conjunto, o texto traz duas contribuições elementares num primeiro momento: o conhecimento acerca do Budismo no mundo e no Brasil e a articulação entre teoria e metodologia na abordagem sobre religião.

Usarski situa a condição atual da pesquisa sobre a religião budista no Brasil como "consideravelmente atrasada", justificando sua publicação. "Este livro quer contribuir para uma superação de uma situação desfavorável", diz o pesquisador. Neste esforço, a obra avança em historiar, classificar, descrever, biografar, mapear e pontuar o Budismo no Brasil, sem a pretensão de esgotar um campo ainda por demais aberto para a pesquisa. Deixa, portanto, para os autores de cada artigo, "um olhar diferenciado sobre o campo do budismo".

O autor introduz fazendo um resumo sistemático do Budismo e tomando o modelo conceitual "clássico" de análise: Budismo de Imigração e Budismo de Conversão. Discorre sobre os aspectos quantitativos e as tipologias com suas variações e desdobramentos. Sua preocupação, no entanto, está na pergunta sobre o grau de interação social do budismo na sociedade brasileira.

Os artigos seguem uma seqüência que parte da análise da difusão global do budismo que antecipa a pergunta se o futuro do Budismo será a globalização com a perda da identidade étnica original. As abordagens passam a tratar do budismo de imigração no Brasil. Esta primeira corrente do budismo brasileiro é discutida e avaliada nas experiências do arcebispo Nissui Ibaragui, fundador da Honmon-butsuryû-shû no Brasil (Hirochika Nakamaki), na inserção do Budismo no Oeste Paulista (José Artur Gonçalves) e nas estratégias de adaptação social e cultural do budismo chinês da Fo Kuang Shan (Rafael Shoji).

O impacto do Budismo de conversão de "primeira geração" (anos 60) é refletido por artigos de Eduardo Basto Albuquerque, Ricardo Mário Gonçalves e Regina Yoshie Matsue. Em parte, os autores referem-se às trajetórias biográficas de intelectuais que tratam o Budismo sob uma abordagem universalista. Os relatos revelam como os processos sociais que hoje podem ser categorizados e analisados em seu conjunto, passaram por situações do cotidiano repletas de experiências representativas. Em outras palavras, os agentes da construção do Budismo no Brasil tiveram rosto e conseguiram estabelecer teias de relacionamentos sociais que estruturaram a religião budista em solo brasileiro.

O budismo de conversão de "segunda geração" (anos 70), já apresenta maior diversidade dos adeptos, dispersão geográfica e heterogeneidade de doutrina. É um budismo de caráter internacional e globalizado, que tem produzido um impacto mais forte na sociedade brasileira. Este Budismo é representado em três sub-categorias: Zen-Budismo, Sôka Gakkai e Budismo Tibetano.

O Zen-Budismo japonês, analisado por Cristina Rocha, tem avançado no Brasil por conta de "reapropriações, resignificações e hibridizações" (p.243). Segundo o artigo de Ronan Alves Pereira, a Associação Sôka Gakkai Internacional distingue-se dos demais grupos budistas pelos seus traços proselitistas e de radicalismo na interpretação doutrinária. Apresenta tonalidades de sectarismo e de milenarismo em sua proposta religiosa, embora esteja bem estruturado em sua organização e estratégias de crescimento. Como Frank Usarski elabora no último artigo do livro, o Budismo tibetano conquista espaços institucionais e na mídia, devido também às suas estratégias e à figura do brasileiro Lama Michel, "considerado um tulku, isto é, a reencarnação de um grande lama, ou seja, mestre espiritual."(p. 288)

O fato é que a obra reflete, inevitavelmente, o que é o próprio Budismo em sua constituição histórica e social. Uma religião com intensa diversidade interna de variações étnicas, doutrinárias, filosóficas e rituais. Daí que os olhares de cada autor fotografam estas facetas múltiplas da experiência budista no Brasil. Por sua vez, os autores contemplam o problema central que percorre seus capítulos, que é o conflito entre religião e cultura. Em outras palavras, tratam do desafio da adaptação de uma religião de origem oriental na cultura brasileira.

Uma das questões suscitadas ao analisar-se o conjunto das abordagens é a que se refere ao processo vivido pelo Budismo, enquanto religião de origens marcadamente étnicas, que se adequa ao curso da globalização, mas que enfrenta os desafios das adaptações regionais. Do ponto de vista internacional este problema é abordado no segundo artigo do livro escrito por Martin Baumann. A experiência no Brasil presta-se como espaço e roteiro de pesquisa acerca desta questão. Sobretudo quanto ao curso por vir do Budismo de imigração com sua identidade étnica original ainda preservada nos rituais e na língua japonesa, bem como as dificuldades de formação de um clero brasileiro dentro da hierarquia de seus diferentes ramos. A língua, a estética e a doutrina, os conflitos culturais e éticos, e a formação de uma comunidade budista brasileira constituem-se dificuldades principais de adaptação. Por outro lado, o Budismo internacionalizado tem suas estratégias de propagação e expansão, satisfazendo as classes médias e intelectualizadas em busca de alternativas espirituais. No entanto, relativiza gradativamente suas marcas originais étnicas e orientais, adaptando suas práticas e concepções doutrinárias às expectativas dos que são atraídos pela sua proposta de espiritualidade. A tendência ao sincretismo constituinte do campo religioso brasileiro deve ser observada doravante como caminho possível ou não das práticas budistas no Brasil, principalmente ao aproximar-se das camadas mais baixas da população e construir um apelo mais popular e simplificado de rituais e doutrinas.

Sendo assim, o caminho do Budismo segue para direções outras, talvez até opostas, ao caminho de Buda. Mas este processo parece ser equivalente ao de outras religiões também. Isso indica que, tanto quanto ou mais do que seus fundadores, as religiões são históricas em seus desdobramentos no tempo e no espaço.

O Budismo no mundo foi, no transcorrer do século XX, uma religião migrante de culturas e de lugares, acompanhando as mudanças e as transformações sociais e econômicas impostas por políticas governamentais e conjunturas de guerras. Mas esta migração se dá também internamente com aqueles que pretendem segui-lo, oriundos de outra nacionalidade que não as japonesa ou chinesa, de cultura não oriental. Eles reproduzem uma trajetória interna que começa com as insatisfações culturais e religiosas dentro de seus quadros nativos de referência, passando pelo conhecimento progressivo das tendências e variações de seus ramos até aportar numa experiência tida como definitiva e existencialmente satisfatória.

Enfim, do transplante étnico-cultural via imigração - com suas dificuldades de adequação quase intransponíveis a curto prazo - para a integração cultural via estratégias internas que almejam a conversão, o Budismo ganhou visibilidade social pelo conjunto de mudanças vivido pela sociedade brasileira, tendo a mídia como elemento fundamental para a sua propagação. Além disso, constrói pontes com as esferas mais altas da sociedade como a classe política angariando espaço e respeito das elites. O fato de que o Budismo no Brasil, "apesar do sucesso [...] nunca será um fenômeno de massa, continuará a ser restrito a certos segmentos da sociedade" (p.31), não significa que não exercerá influências na sociedade como um todo.

Lyndon de Araújo Santos - Doutorando em História UNESP.

(página pertencente ao site http://www.pucsp.br/rever)

Rio de Janeiro 2002


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