"O PACTO DE WOLFFENBÜTTEL e a recriação do homem", de Fausto Wolff / Editora DBA
O elogio da loucura!

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Está no pórtico do livro: "Aos que não enlouqueceram nem lucraram com a loucura alheia". É preciso que haja muita lucidez para pensar assim. E ter a ousadia de fazer poesia. Como é necessária muita humildade para se desculpar com Manoel de Barros pelo "cometimento" de "Os Cem Poemas de Amor e Uma Canção Despreocupada" - seu livro anterior que alcançou grande sucesso. Sucesso que não lhe subiu à cabeça, desceu ao coração que se fortaleceu com as palavras do mestre: "Você não tinha nada que pedir desculpas por sua poesia que é poesia que é poesia. O que a gente sente é que você pegou a tarefa de livrar o mundo das suas chagas. Trabalhou e trabalha ainda através de seu verbo sarcástico para atacar as hipocrisias, etc. ... como é que um homem tão enorme, tão comunista e tão alcoólatra (como está confessando) pode ter uma alminha de borboleta e de passarinho? ..."

Pois bem, é isso. Fausto escreve como gente grande que conheceu a amargura, o dissabor, a desilusão, a decepção e demais misérias do mundo, mas a alma de menino filtrou a tudo e a tudo tranfigurou e elevou à categoria de poesia. Um menino que com consciência madura, qual "Candide" de Voltaire, embora este em prosa, percorre a ecologia, a filosofia, a política, a sociologia, a física, a metafísica, como quem brinca de construir castelos na areia e quando prontos dá-lhes um safanão e os reduz à sua verdadeira condição: areia - branca, pura, vasta, infinita em sua atomicidade.

Parece uma poesia fácil e despreocupada, despretenciosa. Não é. Cada palavra arde e é preciso ler uma, duas, três vezes para que os véus caiam e revelem a profundidade da simplicidade. Ele mesmo diz: "Se meu poema te deixa triste,/Tenta lê-lo outra vez./Afinal tens os olhos,/ A curiosidade e o espanto./Eu, apenas as palavras/que não te disse/. E é econômico ao extremo. Nada de verborragias, porque, sensível como é, sabe que o fazer poético se disntingue da prosa pela densidade, pelo insinuar mais do que dizer, pelo fazer sentir mais do que pelo explicar, pelo provocar, incitar, intrigar, instigar, instar! É saudável que haja um esforço e uma interação para entender Fausto porque uma vez chegado a ele, a premiação é certa e infalível - é a comunhão, o não mais ser nem estar só neste mundo imundo, palavra dele. E não só.

A seguir, uma amostra do poder cintilante e incendiário de quem se imolou e sem querer nos ensina a precaução, a delicadeza, a superação dos limtes para alcançar a esfera dos bêbados ou dos loucos. Das crianças, de toda forma:

ADVERTÊNCIA

É preciso tratar bem
As criancinhas.
Caso contrário,
Na melhor das hipóteses
Serão assassinas.
Na pior, suicidas,
.........................

*****

LIVRE-ARBÍTRIO

A mão, a pedra, o espaço
O passarinho.
Se o passarinho morrer,
É preciso começar tudo de novo.
Mas quem garante que isso é possível
Depois do hediondo crime?

*****

PLANALTO

Se todos disséssemos "não"
E agüentássemos as conseqüências,
Os ratos teriam que se devorar entre eles.
Teriam de roubar uns dos outros,
Sodomizar os próprios filhos,
Prostituir suas esposas e crianças.
Talvez, depois disso, pudéssemos
Todos cantar novamente,
Orgulhosos, o Hino Nacional.

*****

DOCE LAR

Nos anos quarenta
Quando as mocinhas
Queriam se chamar Mary
E os rapazes Joe,
Como os americanos
Esondiam bem
Os planos horríveis
Que tinham
Para os anos noventa.

*****

CRÔNICA SOCIAL

Vocês que inventaram as grades
E a competição
Não contavam com o jeito gozador
Do meu coração.
Vocês que inventaram a mentira,
A fraude, a escravidão,
Nem suspeitavam do meu
Jeito brincalhão.
Vocês que cultuam a morte,
O terror e a abjeção,
Nunca viram o sol se abrindo
Como ponto de exclamação.

*****

A RECRIAÇÃO DO HOMEM (I)

Digo para minha filhinha: Aquele senhor bem vecstido
Dentro do Mercedes cinza,
Ao lado da moça loura
Só hoje, com muita calma
Assassinou mais de
Quinhentas crianças,
Exterminou mais de trezentos velhinhos
Levou ao suicídio
Cinqüenta pais de família.
Isso, pela manhã.
À tarde prostituiu mais de
Duzentas mocinhas,
Transformou em criminosos
Quatrocentos operários;
Expulsou de suas terras
Quase mil agricultores.
Antes de encerrar o expediente
Deu entrevista coletiva,
Enfatizando a necessidade
De moralizar o país.
.............................
Esta é a triste tradição
Da nossa tribo
Que ama os seus algozes.
Castigo de um Deus Comandante
Que nos deu como modelo
Justamente o opressor,
Aquele filho-da-puta
Que todos almejam ser.
................................

*****

Rio de Janeiro - 2001.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email


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