"Equilíb-brio", de Eva Britz.
A arqueológica maçonaria de Eva É sempre bom chegar desavisado num vernissage e ser surpreendido e confrontado com inesperada e inconteste beleza e criatividade. Foi esse o caso das pinturas de Eva Britz, uma artista no auge da maturidade e próxima da perfeição - no croma, na forma, na volumetria.
Digo isso, porque suas criações, de grandes formatos, revelam uma paleta contida e restrita no âmbito do ouro e das sintonias indianas, com seus oníricos e encantadores amanheceres e entardeceres, de sutis contrastes e degradés, sempre agradáveis à retina e ao nervo ótico, catalizador da recepção estética da luz que se revela cor.
E também porque a geometria de Eva, ora plana, com grandes áreas monocromáticas chapadas e harmoniosamente ordenadas e arranjadas, apazigúa nossas ansiedades e acalanta nossos sonhos mais íntimos; e ora sensível e, mais, táctil, concreta, compacta, tridimensional, movimenta e agita e sacode e desconstrói nossas certezas e convicções acerca de o que é ser e o que é ser nada - a presença material, física.
Isso surge muito perceptivel nos planos que se justa, sobre e contrapõem de modo tão palpável e dinâmico e inquietante e antagônico que, por instantes, tive a sensação de estar presenciando uma gênese convulsiva ali - uma dolorosa e, ainda assim, ou por isso, hedônica cosmogonia. O desassossegado Eros agindo sobre o informe Caos e com ele amorosamente interagindo.
É impossível não destacar as muito felizes texturas da artista, certamente fruto de extensas pesquisas e investigações e copiosas experimentações matéricas e pigmentícias, que resultam nessa irresistível vontade de passar a mão pelas irregulares superfícies de suas telas, acariciá-las e sentir-lhes a sensualíssima constituição, que nos remete a vegetais rasteiros, brios, a raízes, testemunhas originais, a construções arquitetônicas creditadas a abelhas, os favos repletos de mel escorrendo, ou ainda a descobertas arqueológicas de relevos que narram a humana presença no tempo/espaço de Nínive e, além, de Ur. Posso até dizer que o que os caldeirões de Eva contêm, nem mais tinta é, é reboco alquímico escultoricamente aplicado com a esmerada obsessão de algum arcaico geômetra/técton, um maçon de catedrais, dessas que tangenciam o celeste com a intenção, por exemplo.
E há que ainda que considerar os apócrifos signos e semas, as senhas e os códigos, os protocolos que povoam, mas não tumultuam, toda a orbi da consumada artista - infiltrados que estão, quais daemons, em suas camadas geológicas e mesmo em suas fogueiras que temperam as ferramentas, mais que pictóricas e construtivas, holísticas. Não por acaso, Eva é um ser mítico e arquetípico, primordial - filha do Sol, que a cada manhã, com sol e chuva, anuncia a beleza que essa outra Eva recebe, transfigura, trans-substancia e nos oferece, para saciar-nos a libido, a liberdade, o amor. Tudo equilibrado - afinal, todos os seres anima e inanimados anseiam por isso - a troca e o compartilhamento.
Rio de Janeiro 2004