| Eliana Borges - "CARTO+GRAFIAs" |

O corpo desacorrentado

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Por mais estanho, a ignorância é a matriz e a geratriz do conhecimento. A matéria, em tentativa e erro, imbui-se de impetus mutacionista e daí desenvolmentista.

Supondo ser ela, lá está ela, para quem quiser ver (haverá quem não queira?!) - serena e nuinha: de frente, de fundos, de lado, de ponta-cabeça, ao saber e ao sabor da rosa-dos-ventos, sinalizando e nos indicando os sentidos e as direções. Sua matéria-prima, e nutriz, é o corpo - todo ele mapeado, cartografado, significado, geometricamente navalhado, calculado e numerado com as dores e os prazeres, seus humores e seus temores, seus furores e seus tumores.

Tensão e intervalo. Aqui, agulhinhas de aguda acupuntura delicadamente pontuando os meridianos da derme e da carne, provendo acesso imediato à mente. Ali, agulhonas espetadas nos mapas de corpos geo-políticos nacionais - emperrados, instáveis e miseráveis. Adiante, lanças para matanças, enterradas no peito dos nossos inimigos - os entraves da livre circulação da liberdade, das emoções, dos pensamentos, das idéias, dos conceitos. Dos corpos.

O que poderia Borges pretender? Nos despertar da afasia, da letargia, do narcótico torpor que cronicamente nos acomete?! Um chamamento à vida plena, banhada em luz e cor? Não há sangue na superfície, mas sente-se estar ele correndo e fluindo nas vias das veias. Não são visíveis os emaranhados nervosos, salvo quando à flor da pele, traduzidos em violentas emoções, expressões dessa angústia de ser sem saber o que é ser. Para que ser)? Ser só ou só ser? Ser para si ou ser com o outro? Para o outro (será através deste que saberemos quem somos? Mas quem é o outro? Pode meu corpo ser o outro? Ou do outro? E há como sabê-lo, ou apenas intuir, sentir?

Borges é. E com destemido destemor se expõe e se propõe a intercâmbio, um diálogo sem fim, mas com fins certos e desejados. Desnudando-se e revelando-se, toma partido e atitude. Se servir-se do corpo como meio e suporte, como fim para tal fim, já é imperdoável ousadia para o muro da lamentável hipocrisia, exibi-lo nu é ato de rebeldia e insubordinação. E dispõe-se ela a isso certamente por ciência de que, em profundidade, esse corpo, de há muito, foi alienado, aviltado, humilhado em sua carne, a ponto de, por ingenuidade, não se poder dizer "meu corpo", salvo como modo e figura de linguagem - ele pertence, é propriedade da autoritária autoridade orwelliana que ordena, dita e diz o que lhe convém e o que lhe condiz - como deve ele proceder, sentir, se nutrir, descartar, se vestir (o que cobrir e o que revelar), se expressar. Como, quanto, onde e a quem amar. Quais orifícios trancar e quais franquear ao intercurso. Que destino dar aos líquidos seminais.

Borges, insurgente, se insurge e, por intermédio desse saudável e belo corpo silencioso, instigante e excitante, nos comunica, nos conclama a tomar efetiva e afetiva posse dele e do que é (devia ser, pois sempre foi) nosso - bem único e inalienável, não negociável. Uma vivissecção anódina, mas eventualmente operante, é o que a artista opera com seu modus operandi na busca dessa identidade a que todos aspiramos e esperamos (sentados e engordando). Enquanto isso, ela retroage e resgata.

Ser é prazer, ela epitoma com candura e altos teores de poesia que se esparrama pela estética de psicologia social, da pólitica do corpo. Seus instrumentos, tanto podem ser de tortura terminal (na nuca, é funcional) como de anastase (como na ejaculação). Cabe ao corpo desejar se quer se libertar do crime e do castigo, da impostora auto-flagelação, da nulidade, do milho e, pior, dos cacos de vidro sob os joelhos, a orar e a deseperadamente implorar perdão (de quê?!) a quem destituído de qualquer competência e propriedade para tal. O corpo é, em sua saudável animalidade, imaculado - talvez seja isso que Borges, em sua inocência, nos queira dizer. E disse. Mas se não disse, está dito da mesma forma.

Rio de Janeiro - 2006


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