Edmilson Nunes
"A inocência recuperada ..."

©Alexandros Papadopoulos Evremidis

Quem passa em frente à Galeria da Annamaria, no Shopping da Gávea, Rio de Janeiro, e vê aquela cascata de fitinhas coloridas cobrindo a fachada, fica intrigado - será uma feira nordestina? um bumbameuboi? uma quermesse? um bordel de beiradeestrada? um cabaré barato? um terreiro de candomblé?

Por entre as fitinhas, um aviso avisa ser interdita a entrada a menores - pode chocar e ferir suscetibilidades morais e religiosas, corromper e desviar a imaculada e sadia infanto-adolescência brasileira. Diante do inusitado nuncavisto, perguntamos ao travesso Edmilson: Jogada de marquetingui para excitar a curiosidade? Não, a mando de algum (infeliz) juiz (a rima é sintomática). Sinal dos tempos sombrios que críamos pertencentes a idades obscuras.

Lá dentro, os cândidos e admiráveis, ousados e corajosos quadros escultóricos de Edmilson. Transgressores como toda genuína e verdadeira arte, conjugam com maestria e engenho, com humor e ironia, com criatividade e inteligência, o sagrado (o que é isso?) e o profano em saudável celebração simbiótica. A fauna e a flora, os faunos e as ninfas, os sexos e as carnes, as "partes" e os todos se fazem presentes e confraternizam como se numa histórica bacanália. O sacro, o erótico, o espiritual, o pornográfico (isso existe?), o onírico, o imaginativo imaginário, a memória afetiva, todos se alternam e se revezam, se fundem e se desdobram, se empenham para nos fornecer um sopro de liberdade.

Além, muito além. Em técnica mista, que funde arte e anti-arte, pregos enferrujados, com as pontas nos encarando sedutora e desafiadoramente, nos dizem da dor e do sofrimento, do tempo de que são testemunhas, e fazem as vezes de molduras; o mesmo sucede com as velas que, queimadas e derretidas até o limite do toco, nos franqueiam o acesso às preces e aos desejos, aos delírios e às fantasias inconfessáveis.

O capricho da fatura, uma construção meticulosa e sistemática, como o de uma aranha, com seus lacinhos e lencinhos, fiapos e farrapos, em cetim rosa, que apenas deixam suspeitar as incendiárias colagens, nos remetem à sonhadora mocinha que, paciente e laboriosamente, eleva sua casinha de bonecas e seus segredos íntimos à categoria de arte. Com sucesso!

Eu não sabia que você, além de pintor, é pai-de-santo - brinco com o artista e ele não deixa por menos: Sou tudo! - diz com categórica ênfase e prova: suas obras-primas ali estão para não desmenti-lo - cúmplices e depositários fiéis de um fazer artístico que não aceita, não conhece e não reconhece limites. Que é o que de fato conta em matéria de arte. Edmilson parece ter sido submetido aos ordálios do fogo e da água e saiu ileso, sobreviveu, purificado e fortalecido. Sua obra tem esse caráter lúdico e libertário que só a catharsis nos proporciona. Os caminhos estão abertos. Saravá! Depois de milênios, finalmente, o espiritual Apolo e o carnal Dióniso, a parthenos Artémis e a sensual Afrodite Pândemos, por obra e graça da Tecné, se reconciliaram. Haverá (?) paz na família brasileira.

A arte de Edmilson Nunes é uma arte que todos e todas - jovens, adultos e velhinhos - indistintamente, sem inibições, restrições e censuras de qualquer espécie, gostariam de possuir para com ela embelezar as paredes, o teto e o chão de suas casas; mais, na intimidade de seus quartos, usá-la como forro de cama, como lençóis e como cobertor, para se agasalhar, aquecer e, no aconchego, se sentir protegido - sonhar ... para nunca mais perdê-la ... perder a quem? Talvez, a inocência de simples e plenamente ser!

Rio de Janeiro 2003

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email


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