| Edineusa Bezerril - Ah, sim. Existe em algum lugar |
De fato, existe e é no coração da artista

©Alexandros Papadopoulos Evremidis

"Ah, sim. Existe em algum lugar" - diz a artista, abstendo-se da aposição de qualquer sinal de pontuação conclusiva, como se nos quisesse sugerir uma suspensão do dois-em-um - a infinitude, no espaço, e a eternidade, no tempo, a busca sem ponto final. O fluxo e a passagem - a infinitesimal fração do mágico instante.

"Ah, sim. Existe em algum lugar" - vai Edineusa ressoando em minha mente e seguindo o rastro da senha, vou buscando/peregrinando pelos em constante mutação arquiteturais ambientes da galeria, com ar de sempre renovado ar. Estando a opção possível de resistência prejudicada na gênese, me deixo encantar e seduzir pelo que as imaculadas paredes exibem - as pinturas e as cerâmicas de Edineusa, historiadas por seus cadernos-objetos dispostos sobre mesinhas.

Não tarda - em crescente, uma avassaladora sensação vai prazerosamente me assaltando e subjugando. Sinto vontade de dizer, e digo com todas as letras: "Edineusa, se existe algo em algum lugar, como de fato existe, o lugar é este aqui, o espaço da galeria, e o algo está em suas criações, prenhes e impregnadas da mais absoluta e espontânea poesia, lirismo, beleza, sonho, memória afetiva." Edineusa reage com serena ciência e consciência. Comenta apenas: "Que bom, estamos tanto necessitados disso." E como estamos! "Edineusa, você é uma menina!", irrefreado, digo num rompante e, então, com todas as marcas da vivência conjugadas em sua expressão, a artista, cúmplice, sorri timida e fugazmente.

Ah, sim. Existiu em algum lugar e era uma menina sentada na última carteira da sala-de-aula. Enquanto professores e alunos literavam, historiavam, geografavam, cienciavam, abduzida do real e conduzida ao campo dos sonhos (e dos terrores e dos pesadelos - seu contraponto), a menina, absorta, rabiscava, desenhava, coloria - era a sua maneira de se expressar e expressar o mundo. É o que ela vem fazendo e fará até o sem-fim - evocar a memória e perscrutar as regiões obscuras (para muitos interditas), torná-las redivivas, exorcizá-las, sublimá-las e nos convidar a compartilhá-las em estético banquete platônico. "Eu te amo" - ela estampa no peito e olha de frente, sem subterfúgios, mas com uma lágrima. E no ato nos sentimos amados.

Tarefa nada difícil para quem decodificou a feitura do ser e do nada - é disso que estou dizendo o tempo todo. A configuração de seu operandi artístico é inequívoca. Há desenho, sim, mas nada rigoroso. É solto e liberto, tosco mesmo, fragmentado e sincopado, como se amarras rompidas, interstícios de arejamento e circulação das emoções. Contorna e delineia, cruza e atravessa, mas não aprisiona; quanto muito, insinua e sugere.

Assim, as figuras de Edileusa, não importa se humanas ou animais, vivas ou mumificadas, mutiladas, enfaixadas, costuradas, coroadas, fantasiadas, envoltas em mistério, encantamento, perplexidade, horror, não precisam dele para ganhar volume, presença e existência. Elas quease sempre são função da massa pictórica, da cor, de onde surgem diluídas, fluidas e plasmáticas, inacabadas e imperfeitas, frágeis e robustas a um tempo. Sinto como se a artista as tivesse apenas projetado, ligado ao motor inicial e insuflado o "werden"; e coubesse a nós, interagindo, levar adiante a criação do "sein" - a consubstanciação, o real. Em qualquer das hipóteses transpiram expressiva vivacidade - são inconfundíveis os olhares e os narizes tagarelas.

Acontece o mesmo com seu esquema de cores (sim, há um deliberado esquema de cores e ele é altamente sofisticado!) que permeia a narrativa e é basicamente contido e mantido nos limites da não ingerência e da imposição. Sua temperatura apenas aquece e acalenta, não queima. É inegável, entretanto, seu potencial explosivo em latência. O mundo de Edineusa é o mundo onírico da menina possuída por ardente consciência e volante imaginação. É também, eventualmente, uma obra propedêutica para adultos destituídos ou depauperados de memória e de sensibilidade.

Rio de Janeiro 2005

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email


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