| Delcio Vieira Salomon |
O autor – Délcio Vieira Salomon – aponta logo na introdução ao romance o motivo que o levou a publicar o romance Thauma: “Ao escrever A maravilhosa incerteza (desde 2.000 editado pela Martins Fontes) – ensaio em que resultou minha tese de livre-docência, ocupei-me, no capítulo 10, da serendipidade*. Foi quando tive legítimo insight ao cotejar aquela atitude metodológica com a da admiração proposta por Platão. Segundo ele, é o thaumatizein que leva alguém a iniciar o processo de filosofar. Merece ser reproduzida a passagem do Teeteto: “Bem vejo, estimado Teeteto, que Teodoro compreendeu tua verdadeira natureza quando disse que eras um filósofo, pois a admiração é própria do filósofo e filosofia começa com admiração. Não era mau genealogista quem disse que ÍRIS (o mensageiro do céu) é filho de THAUMA (a Admiração, a Maravilha)". (Teeteto, 155 D). A meu ver o “thaumatzein” platônico e o “assombrar-se”, típico da serendipidade se assemelham por demais. Cheguei a vislumbrar que a serendipidade não existiria, se em seu cerne não existisse o “thaumatzein”.
O entusiasmo lhe despertou o desejo de um dia escrever texto de ficção em que transformasse a Thauma do Teeteto em personagem de uma narração, ao menos como pano de fundo, em que predominasse a reflexão. Assim pintou o projeto de relacionar filosofia e mitologia, como foi sempre o leitmotiv de Platão e dos filósofos da Grécia antiga.
Ao se referir a esta questão, importa lembrar o pensamento de Werner Jaeger na Paidéia, que tanto o ajudou nesta empreitada. E o faz reproduzindo a fala de um dos personagens de
Thauma:
“Uma das grandes descobertas e contribuições que a Paideia de Werner Jaeger nos trouxe foi a de saber relacionar mito, sabedoria, filosofia, cultura e educação (...) Segundo ele, o mito contém em si significado normativo, mesmo quando não é empregado expressamente como modelo ou exemplo. (...) Os mitos e as lendas heroicas constituem um tesouro inesgotável de exemplo e modelos da nação que neles bebe o seu pensamento, ideais e normas para a vida. Prova está que Homero estabelece íntima conexão entre a epopeia e o mito, de modo a usar exemplos míticos para todas as situações imagináveis da vida, em que um homem pode estar na presença de outro para aconselhá-lo, advertir, admoestar, exortar e lhe proibir ou ordenar qualquer coisa”.
O autor nos adverte: “Estamos vivendo um momento delicado na história contemporânea, com grande penetração do neoliberalismo em todos os setores da conjuntura político-ideológica brasileira. Talvez, em poucos momentos da história, se faz necessário valorizar o pensamento filosófico, atualmente sufocado por falsos sistemas econômicos, todos revestidos da nova roupagem do capitalismo, cuja base continua sendo o positivismo, com o objetivo de combater toda forma e expressão de socialismo. Inclusive, com forte campanha para desmoralizar o grande método de pensar, responsável pela sustentação do socialismo: a dialética. A ponto de os teóricos defensores do neoliberalismo proclamarem a morte da história e a morte da dialética. São, porém, mais do que teóricos, perversos ideólogos, pois o fazem, a soldo do próprio capitalismo. Odeiam a dialética, justamente porque o supremo papel da dialética é desmascarar posturas e apontar contradições”.
• A serendipidade foi descoberta por Walter B. Cannon em 1945, quando publicou o The way of an investigator. Aproveitou o livro de Horace Wapole – The three princes of Serendip (1754)- em que se narra a história de três príncipes do reino chamado Serendip (antigo Ceilão), que deram a volta ao mundo, em busca de um tesouro. Não o encontraram, porém em sua viagem descobriram muitas coisas não procuradas e mais valiosas que o tesouro procurado. Desde Cannon, a serendipidade é definida como a qualidade ou a atitude de “admirar-se” diante dum fato anômalo, ou a capacidade (do pesquisador) de ver o que ninguém até então vira, mesmo diante dum fenômeno considerado como descoberto.
Rio de Janeiro 2013
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