| Clarissa Campello | Torto
Em 1549 é finalizado o texto “Do tirar pelo natural”, que tem autoria do português Francisco de Holanda. É considerado o primeiro texto a versar sobre a arte de se “tirar pelo natural”, ou seja, fazer retratos. Para o autor, todo retrato se dá através do embate direto entre retratista e retratado; é necessário que exista um ambiente bem iluminado e silêncio entre os dois durante esse encontro. Além disso, segundo ele, o elemento mais importante de qualquer retrato é o rosto.
Ao observar os quadros produzidos por Clarissa Campello é possível refletir sobre sua relação com a tradição clássica. Temos aqui “Retratos”, tal qual o título da exposição, mas seriam eles produzidos como essa doutrina artística? Há o formato da encomenda, mas o processo se dá de modo diverso, ou seja, os comanditários enviaram para a artista retratos (ou autorretratos) fotográficos. Esta selecionou aquele que mais a agradou e, de dentro de sua casa, estabeleceu um embate com esta imagem. Trata-se de um diálogo entre a dimensão técnica da fotografia e a artesanal da pintora, o olhar sobre si mesmo do modelo e a recodificação dada pelas mãos da artista. Uma mídia não se sobrepõe à outra; as duas caminham contrastantes e lado a lado.
Uma galeria de retratos, uma série de rostos colocados dentro da Caza, tal qual troféus retirados de seus pedestais (corpos). Formalmente, estes se aproximam do legado textual? Claro que não. Se a pintura de Clarissa Campello se aproxima da tradição, este fato parece se dar pelo suporte em si (pictórico) do que pelo modo como a tinta é transformada em corpo. O último conselho do texto de Holanda é que o pintor, ao terminar a quadro, coloque sobre a imagem um “realce”, uma luz sobre os olhos pintados, a fim de dar a sensação de vivacidade.
As obras de Clarissa, enquanto isso, parecem possuir diversos espaços de “realce”, seja através das expressões das linhas (rugas) dessas faces, seja pelas marcas das pinceladas que dão uma impressão de movimento. Como a artista disse em uma conversa, “se o quadro não ficar torto, não está bom”. Esta proposital descentralização da imagem soma ao seu distanciamento do Tiziano amado por Francisco de Holanda e a aproxima da obra de Frans Hals. Temos o caso de um “clássico anticlássico”.
Sim, há espaço para a pintura dentro da arte contemporânea.
Raphael Fonseca, Crítico e historiador da arte, Novembro de 2011Rio de Janeiro 2011
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