"Encanto dos Orixás", de Célio Silva.
"Santos também estes!"©Alexandros Papadopoulos Evremidis*
Por um momento pensei que estávamos revivendo uma guerra de religiões, uma espécie de Segunda Reforma e Contra-Reforma. Sim, porque recentemente Ana Durães atacou com quase todos os santos católicos, bonitos e sensuais, ainda quando em chagas, cegos ou flechados, em exposição no Museu Histórico Nacional/RJ.
Agora é a vez do jovem e talentoso Célio Silva a contra-atacar com quase todos os seus orixás africanos - tão ou mais bonitos, sensuais sempre!, com o acréscimo de vigorosos, coloridos, alegres e imaginativos, e que ainda assim não deixam de ser santos disto, disso e daquilo. Estamos falando da expô que Célio acaba de inaugurar na idílica Galeria de Arte Villa Riso - sítio mais apropriado para o tema não poderia haver, pois está situada no alto de uma colina cercada de jardins, mato e mais morros e serras, com o mar a seus pés. Acima, nem o céu chega a ser limite para quem aberto e aspirante ao absoluto no infinito. Por si só uma obra de arte!
Entretanto, a surpreendente presença de um prelado católico, inimaginável e até temerária em outras eras num evento dessa natureza, com ares de príncipe encantado e privilegiado conhecedor e admirador, e não de um temível inquisidor do tipo dominicano, ou cão do senhor, como eram então chamados jocosa e desprezadamente (e que, certamente, pediriam sua excomunhão e atirariam o anátema sobre ele, e mais - o arrastariam para as câmaras de tortura e o imolariam na fogueira), me aquietou - essa batalha não era de religião, era de arte. Os tempos mudaram e para melhor. Mérito da Arte. Mesmo porque Durães havia já declarado que sonhava com a beatitude artística, não com a sacra. E Célio Silva não deixa por menos - diz que ele nem é crente ou devoto, apenas um estudioso que vê e filtra tudo com seus cristalinos sensívelmente artísticos. Claro, respeitando a fé e a raiz, os signos e os fetiches de seu sofrido povo, paradoxalmente guerreiro e estóico ao mesmo tempo, acolhedor e conciliador - a ponto de mostrar aos cristãos qual o verdadeiro sentido da cristandade, atribuíndo inclusive configurações cristãs a seus próprios avatares, inventando e criando assim quase que uma terceira religião - a do sincretismo congregador e pacificador. O ecumenismo.
Diz ainda Célio Silva que, para pintar os orixás, se embrenhou e refugiou nos elementos de cada um - fosse uma mata, uma pedreira, o rio, o vento ou o mar -, não para fazer pesquisa, que o conhecimento teórico ele o adquirira desde pequeno quando a mãe o levava aos rituais do Candomblé nos terreiros, mas para entrar no clima e se inspirar. E então voltava correndo para o atelier e, febril, quase em transe, pintava vertiginosamente ao mesmo tempo que cantava os "pontos" ou os hinos de cada santo; por vezes conversava com eles como se parentes ou amigos íntimos. Ou ainda pedia-lhes licença e proteção. E assim foram surgindo, no espaço de três meses, doze telas, todas de grandes dimensões e em acrílica sobre tela, (seria casual ou sintomática a correspondência com os doze apóstolos?), retratando Oxalá, pai de todos, em toda a sua glória, Olorum, pai do céu, em sua infinita grandeza, e mais Omulu, Inhasã, Oxossi, Oxumaré, Ogum, Oxum, Xangô e os demais ... numa festa de figuras, formas e cores das mais felizes e próprias de cada um. Uma policromia enriquecida com todos os apetrechos e detalhes semânticos e simbólicos que fazem uma entidade ser o que é - orixá.
Rio de Janeiro - 2001.
©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email
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