| Abigail Vasthi Schlemm |

Mulheres em silêncio - a sensualidade à flor da pele.

© Alexandros Papadopoulos Evremidis

"Eu sou uma pintora. Só pintora. Eu pinto só o que gosto. Nunca pretendi mudar o caminho da humanidade com a minha arte. Com ela somente procuro a beleza e a poesia possíveis. A minha pintura não me encaixa em escolas. Uso, sem cerimônia, todas as técnicas e todos os recursos utilizados por todas elas. Mas, mesmo assim, pinto de modo pessoal e verdadeiro, sem abrir mão da minha criatividade, do meu prazer e da minha liberdade. [...]"

O trecho acima é uma profissão de fé, um autêntico credo artístico, redigido com "pathos" pela própria Abigail. Depois de 25 anos, sempre recorrendo aos "escribas" para eles escreverem sobre seu trabalho, chegou finalmente à conclusão de que ela, melhor do que ninguém, era a pessoa mais indicada para dele nos dizer. Nada mais justo, e a prova está aí, em sua poética, aliada ao conhecimento de causa.

E que coragem, mais, ousadia, beirando o atrevimento! Principalmente, nos dias de hoje, quando, estando o mundo dramaticamente dividido entre os poucos que imoralmente enriquecem e os muitos que assustadoramente empobrecem e são relegados à miséria da própria sorte, espera-se, e até exige-se, do artista um comprometimento cada vez maior com as causas sociais, ecológicas e afins.

Diz-se, afinal, desde Platão, que a arte, por definição, é inconformismo, rebeldia e transgressão das humanas regras e também das naturais. Insurge-se até contra Deus que, por ausente, invalida o propósito. Abigail pode até, modestamente, não pretender mudar os caminhos da humanidade, mas, ao nos postarmos diante de seus quadros, assalta-nos a incorruptível certeza de que ela mudou, sim, e em muito, a configuração dessa mesma humanidade, acrescentando mais beleza à, malgré tout, beleza existente!

E existe neste mundo beleza maior do que a das mulheres?! Pois bem, é esse o tema das 19 (mais uma natureza morta de flores, por sinal, mais vivas do que as vivas) telas de consideráveis dimensões de Abigail - mulheres... muitas mulheres. Mulheres de todo tipo e personalidade, em cotidianas atividades - tomando banho de sol, freqüentando festas, passando o domingo no parque, tomando café e drinks e, independentes, pagando a conta, observando pela janela o movimento da rua ou contemplando a paisagem, ...

De uma forma ou de outra, são todas elas muito bonitas, charmosas e elegantes em seus trajes multicores, de vivo e intenso matiz, de fazer inveja ao mais talentoso dos figurinistas. Vale o mesmo para os seus chapéus, do mais variado feitio histórico, com que elas, as mulheres, ora escondem, ora revelam os rostos e seus mistérios.

Mas que rostos? Os rostos não existem nas obras de Abigail. Isso mesmo, as mulheres não possuem rostos, apenas contornos, aqui e ali destacados com vigorosas pinceladas, como se ela quisesse sublinhá-los e recortá-los contra o fundo, dotando-os destarte de presença e volume. Pode também ser que, com tal ausência, ela pretendesse evitar as limitações de uma identificada e personalizada individualização, sugerindo que ali está a idéia ideal que ela tem do feminino, como matriz e arquétipo... O rosto? Bem, que cada mulher escolha e encaixe no vão o seu próprio, ou de quem achar que merece, o que certamente se aplica a todas - porque nessas mulheres consubstanciadas estão todas as mulheres do mundo!

Diz ainda Abigail que suas mulheres são calmas, quietas, caladas. Calmas e quietas, podem até ser, mas caladas?! Está certo, elas não falam com a boca, já que desprovidas de rosto, mas em compensação tagarelam o tempo todo e se expressam por meio da postura, das roupas, da atitude e, atributo característico das mulheres, dos gestos, das mãos contorcidas, quase retorcidas; e, last but not least, muito antes pelo contrário, elas falam com o corpo, com a instintiva e elaborada sensualidade, que em alguns momentos raia o sutil erotismo.

Tanto assim que, em algumas telas, ela carrega no vermelho-chama sobre áreas estratégicas-erógenas, como se insinuasse que ali estão ardendo do fogo da paixão, incendiadas pelo clamor da carne. É o caso das 3 fulgurantes graças que com langor repousam ao sol e exibem a "fonte da saudade", na tela do mesmo nome; das duas ninfas que amorosamente se entretém no "ninho do passarinho", o que também dá título à obra; e da sinuosa e solitária beldade que no quente "verão" (mais título), dormiu nua e, tendo acabado de acordar, arruma os lençóis amassados e esvoaçantes, com venérea e sedutora displicência.

Tudo com tudo, porém, toda essa história não passa de pretexto para Abigail brincar de pintar, que é o que interessa e o que ela sabe fazer muito bem, servindo-se de formas, ora detalhadamente precisas, ora livres e soltas, e de cores. E quantas cores! Com Abigail, elas não podem e não devem se queixar - todas foram generosamente agraciadas e tiveram sua vez nas mais distintas nuances. Uma festa de cores, portanto, quase uma bacanal. Com todo bom gosto e maestria. A sensibilidade e a compaixão, cúmplices, ficam por conta das frases finais do "credo", que emulam uma dedicatória às bruxas imoladas, às neonatas assassinadas e às mutiladas em seu epicentro sexual. Ao silêncio das mulheres. Silenciosas, não!, Abigail, silenciadas. Pelos homens. Por quem mais?

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email

Rio de Janeiro 2012


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©Alexandros Papadopoulos Evremidis = escritor crítico > Email
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