"Os demônios morrem duas vezes", Fernando Pessoa Ferreira / Códex
Na verdade, eles nunca morrem!Fernando Pessoa Ferreira é autor de frases espirituosas, dessas que correm de boca em boca e tornam-se famosas. Ruy Castro, por exemplo, pinçou uma delas para incluir em seu O melhor do mau humor: “O zangão é a prova de que o golpe-do-baú sai caro”. Esse humor, com tiradas fantásticas, pode ser encontrado na ficção deste jornalista pernambucano que vive em São Paulo desde 1968, tanto nos seus contos e crônicas, como também no seu primeiro romance, Os demônios morrem duas vezes, que a Editora Códex acaba de publicar.
O livro – é preciso dizer – não é de humor, mas, sim, um policial, no melhor estilo e com todos os ingredientes que fizeram deste gênero um dos mais lidos e amados entre os leitores. Como diz o escritor Pedro Cavalcanti, nesse romance encontraremos “zeladores lacônicos, moças sedutoras em perigo, pistas descobertas a partir de um cartão de visitas esquecido”. O pano de fundo onde os crimes acontecerão, investigadores vasculharão apartamentos, academias de luta, bares, e até um babalorixá de olhos azuis entrará em cena é a Vila Madalena, bairro que há alguns anos tornou-se centro da vida boêmia paulistana, concentrando os mais badalados bares, restaurantes e casas noturnas da cidade. Para isso, ele chega a criar uma delegacia especial para o bairro, o 132º DP.
Talvez seja o primeiro romance que faz da Vila Madá, como dizem os seus freqüentadores, o cenário perfeito para crimes e perseguições. O corpo da primeira vítima da história aparece num barranco, perto de uma pracinha no alto da rua Girassol. Depois, é a vez de outra vítima, barbaramente assassinada e desovada no córrego das Corujas, ali perto da rua Natingui. Diante dessas mortes, o investigador Omar Fonseca, amante de romances policiais – principalmente de Georges Simenon, sua grande paixão –, irá passar em revista uma lista de suspeitos, desde um ex-marido ciumento, lutadores de uma academia, jovens de cabelos raspados etc.
Pessoa, no seu livro, reúne todo um leque da sociedade paulistana para escrever seu livro e dar a ele não apenas a dimensão de um bom policial, mas também a da crônica de costumes, um gênero que infelizmente anda bastante esquecido entre os autores mais jovens. Ele retrata com humor refinado – aproveitando-se do espectro social fornecido por esse bairro de São Paulo – a vida de seus jovens barulhentos (e até violentos), seus comerciantes locais e funcionários de prédios, seus síndicos que já não suportam mais o barulho dos bares, e até de suas sofisticadas e bonitas jovens, como as duas personagens que são donas de uma butique na rua Aspicuelta. Tudo isso filtrado por um estilo ágil e inteligente que cativa o leitor desde a primeira linha, e – é importante que se diga – só o devolve na última, quando todo o nó que envolve essa série de crimes estiver completamente desfeito e esclarecido.
Sobre o autor
Fernando Pessoa Ferreira nasceu em Olinda, em 1932. Viveu dez anos em Curitiba e quatro no Rio de Janeiro. Está em São Paulo desde 1968. Desde os 21 é jornalista. No Rio, trabalhou no Diário Carioca, Correio da Manhã e Última Hora, nas revistas Manchete e Cruzeiro. Em São Paulo, trabalhou em revistas do grupo Abril e nos jornais Folha da Tarde e Folha de S. Paulo. Também foi assessor da Reitoria da USP. Como poeta, publicou os livros Os instrumentos do tempo (Editora Livros Portugal, 1958) e Em redor do A (Civilização Brasileira, 1967). Na prosa, publicou os volumes de contos Os fantasmas da gaveta (Editora Codecri, 1983) e O umbigo do anjo (Editora Record, 1998). Os demônios morrem duas vezes é seu primeiro romance.Rio de Janeiro 2005
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