"Pinturas", de Andréa Facchini.

Tecendo (e tramando) as muitas cores das muitas flores.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Afirmava Maurice Denis, em 1890, que "toda pintura, antes de ser um cavalo de guerra, um nu ou uma cena do cotidiano, é essencialmente uma superfície plana coberta por cores dispostas numa certa ordem". Não é difícil completar dizendo o óbvio - que essas "cores dispostas numa certa ordem" podem, ou não, representar, em sua plenitude ou em sua configuração básica, um objeto do mundo sensível.

Andréa Facchini, nesse momento de sua trajetória artística, escolheu basicamente flores e tecidos, finamente estampados, - dois atributos do feminino, como ela faz questão de explicitar. E não está errada. Afinal, de um jeito ou de outro, todas as mulheres são multicores flores (sendo ela própria, a artista, espécimen de rara e encantadora beleza!), delicadeza em movimento! Podem variar no formato, na taxinomia, na cor ou no perfume, mas a essência, que é o que importa, é da mesma matéria primal - sedutora e narcótica, altamente erótica (de Eros - ancestral primeiro, ordenador do Caos). Coisas da natureza. E da arte.

E, numa tour de force, podemos também estender o conceito, classificando-as, todas as mulheres do mundo, também como tecidos. Não é o que vemos na superfície maioritária de seus corpos, no plural das horas?! E ainda, não será a pele um tecido de avassaladora tecitura, cor e textura?! E já não se tornaram, se já não sempre foram, poderosos fetiches para uns e outros, e principalmente para elas que assim podem, e o fazem com graça, enriquecer suas formas e seus cromas em contínuo processo de criação, convertendo-se assim em doce promessa? Andréa Facchini é artista de elaborada estética e significativo teor e se entregou incondicionalmente (sem a aposição deste advérbio a arte inexiste) à missão de acrescentar beleza à beleza existente!

Chovendo no molhado? É o que ocorre nos atos regidos pelos instintos, no regar das flores e na estratégica aderência dos tecidos, quando molhados - pela chuva. Todo esse pródromo para falar de flores e tecidos? Não! É para dizer da inteligente e feliz escolha e justaposição que ela fez das cores dos seus objetos em toda a sua exuberância e força, conferindo-lhes volume, por vezes monumnental, que, num trompe l'oeil, nos leva a crer que bastaria aproximarmos o nariz para nos embriagarmos com seus aromas e estendermos o braço para tocar e/ou colher as flores, e alisar a maciez dos multicores tecidos, convidativos em sua sensualidade, emulando epidermes oníricas.

Não há espaços vazios nas telas de Facchini nem ela dá margem a margens. O suporte é intencionalmente sobrecarregado e controladamente ocupado em sua totalidade, o que gera o efeito colateral do totum continuum e da tempestuosa enxurrada que nos encanta e subjuga. Com todo prazer. Algumas telas são construídas na assaltante vertical; outras, na repousante horizontal com o ganho extra de profundidade contemplativa e medidativa que se resolve num jardim oriental. Aqui e ali, o quadro do eterno feminino é completado com símbolos que relatam histórias secretas e sugestivas em seu aparente descaso casual - brincos, colares de pérolas, uma taça de champanhe ou néctar. Ou un petit déjeuner íntimo numa mesinha de algum idílico recanto.

O elemento humano não está ausente e nem é estranho à Facchini. Sabe seus limites e contrapõe-lhe o non troppo na figura da queda do Narciso, narcotizado pelo fugaz, ou na expulsão dos primatas Adão e Eva que, num gesto ecologicamente infeliz, trocaram o Éden, um jardim de flores e frutas, por outro, de asfalto e monoblocos de cimento armado. Triste jardim. Agora resgatado pela artista, na terra e no leito dos mares. Na forma de oferendas e de paisagens possíveis e, daí, perfeitas. Ali, ao alcance de seu transbordante desejo.

Rio de Janeiro 2002

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